Tuesday 5 January 2016

Estação VIII

Próxima Estação: Leitura - Desembarque pelo dicionário. Quais seriam as implicações linguísticas de escrever? Meu namorado pensa que eu não sei o que ele anda fazendo. Ele tem essa mania de super-herói de sumir, desaparecer, evaporar e reaparecer com uma cara de pau e uma desculpa assimilada:

_Fui ate a biblioteca devolver um livro.
_Era meu sócio.
_Carlota? A senhora Heidenberg é minha funcionária há anos.

Mas ele sempre me seduziu. Seu sorriso encantador. Sua segurança na frente dos amigos. Eu fiquei fascinada por um rapaz tão jovem e bem sucedido. Nunca passou pela minha cabeça questionar a origem dessa riqueza.

O cinema estava agradável. Segurava a mão dela com firmeza. Ali, sentado na poltrona vermelha de veludo, eu não poderia imaginar o que estava por vir. Imaginei ser eu a personagem do filme. A moça minha namorada. Fiquei no lugar da personagem um tempo, esquecendo da mão dela.
Ela é a mãe dos meus filhos. Tive alguns no decorrer do curso de minha vida. Não me importo muito com eles hoje e eles muito menos comigo. Aos finais de anos alguns me ligam. É sempre uma conversa fria e seca. Os fogos deste ano não foram tão belos.
Lembro de quando eram bebês. O engatinhar. O choro constante. Aprender a falar, falar errado, cair no chão. As crianças trouxeram harmonia e alegria para o lar. E não há historias perfeitas, apenas há o melhor que alguém pode contar. Hoje minha namorada esta casada com um médico cirurgião plástico. Não que ela se importe com esse fator estético, mas acho que o cara é bacana.
Ela mora em uma cobertura em Malibu com o novo marido dela. Eu dei esse presente pra eles de casamento, afinal, eu acho que vou sempre amar essa mulher. De resto ela recebe uma mesada de cem mil dólares por mês, gastos com viagens à Europa, Índia, Afeganistão e todo o resto do mundo que eu não levei ela pra conhecer.

_Você promete que vai me levar pra conhecer o mundo? Quero conhecer as pirâmides do Egito, o resto dos templos gregos, quero ir até o Vaticano visitar a basílica de S. Pedro, quero percorrer o Marrocos e os ares frios da Rússia. Quero fumar haxixe em Amsterdam e beber vinho na França!

Foram nossos sonhos debaixo da lua, enquanto seu Zé ainda estava conosco. Enquanto tia Margarida não havia falecido, deixando uma herança nominal de alguns zeros em meu nome. Aquelas pessoas do passado foram substituídas por outras. Agora são nossos filhos. Nossos netos. É certo que eu sobrevivi até esse ponto para contar história. Pai: Eu odeio você. Quando minha filha disse isso, era lá pelos quinze anos. Não queria que ela saísse com um moleque vagabundo aqui do bairro. Essa proibição nutriu um ódio por mim que custou a morrer. Ela ficou uns anos sem falar comigo. Aquele começando a falar é Lucas, meu neto. Click. Click. O relógio da biblioteca me avisa que sete palmos me aguardam, enquanto lembro do meu neto, lembro de cada raiva que proporcionei aos meus filhos com a única finalidade de educa-los para que não fosse jamais parecidos com o pai.
Ainda hoje pego o metrô de São Paulo, com um jornal ou um livro debaixo do braço. As vezes observo as pessoas, seus gestos petrificados e indiferentes. Óculos. Tenho alguma dificuldade para respirar. Dores nas pernas. Um coração cansado. Mais uma prova de que não sou nenhum herói. Os bons morrem cedo, e eu estou com quase um século. Pai o que acontece quando a gente morre? Pedro Henrique perguntou isso quando tinha quatro anos e viu a avó Margarida falecer. O que dizer para as crianças quando elas perguntam coisas que nem a gente sabe? Papai eu te amo muito. Antes de me odiar ela falou isso. E eu chorei de alegria, e choro agora ao lembrar desse momento tão importante da minha vida, que deixei guardado como um envelope negro, as memórias que não foram apagadas pelo rio Lethe e encobridas pela estratégia dos negócios. Continue trabalhando muito e não veja seus filhos crescerem.
Foi bom viver as décadas de 80, 90, 2000 e assim por diante. O tempo passa e você não percebe. Quando realmente percebe que está vivo, que pode mudar tudo, que gosta enfim de estar vivo aqui, junto com outros humanos, é a hora de partir. Mais uma estação para o senhor Vanzetti.
Barão. Durante os idos de 2000 eu adquiri esse apelido. E aí Barão qual a boa? Não sou da nobreza, contudo não deixei de apreciar o falso título. E ser nobre é o que existe de melhor no Brasil.
Quantas voltas a gente tem que dar até perceber que está no mesmo lugar? Até quando seremos fantoches do destino. Pérolas mortas. Água morta. Sombra morta. Próxima estação: funeral.
As vezes me pergunto se existe algo além da vida. Se há algum tormento maior do que estar vivo. Ou se é tudo uma mentira, uma ficção criada para enganar os pobres. A verdade eu nunca vou saber. E aqueles que eu coletei as almas? Descansam na paz, me aguardam pegar o barco de Caronte para enfim abraçar-me do outro lado do rio Styx.
Como eu adquiri alguma cultura? Com os negócios. Quanto mais dinheiro eu ganhava, mais eu contratava pessoas responsáveis e que gostam de trabalhar para cuidar dos meus investimentos. Assim eu dispunha do ócio. Quatro dias por semana para ficar envolto em cultura. Não me orgulho do papel que me foi designado aqui no Brasil.
A corrupção é a grande máquina que move o Brasil. Ela existe em todos os níveis, em qualquer lugar país. Não há brasileiros honestos. Só Deus sabe o quanto um empresário deve gastar em lábia, adulando empresários para conseguir investimentos sérios aqui no Brasil. A mão de obra é barata e a exploração é cultural. Só que isso não é suficiente para investidores ávidos. Há outros mercados que oferecem mão de obra quase gratuita como no Brasil, que não cobram tantos impostos e que não estão sujeitos a tanta corrupção. Papai quando crescer quero ser igual o senhor. Se deus quiser não filho, pensei comigo. Se Deus quiser não. Você vai ser um homem de verdade.
Ìndia. China. Países da África. Muitos lugares recebem investimentos que poderiam estar aqui, no pátria amada e idolatrada. A maioria é conformada com a situação. A maioria dos brasileiros orgulha-se de ser honesto e ganhar um salário mínimo. Nós que estamos no poder pensamos o contrário. Que os fins justificam os meios, e que vale tudo para ter uma vida boa aqui no paraíso tropical.
Os brasileiros não levam os negócios a sério. Eles transam com as mulheres de seus parceiros comerciais, comem suas filhas, tentam levar vantagens de lucro pessoal em barganhas e tentativas de extorsão. O brasileiro tem uma dificuldade enorme de saber o que é o fair-play do mundo dos negócios. E pra negociar com os investidores cheios da grana tem que ter muita ética, não apenas fingir que tem ética para fechar uma licitação e ganhar a comissão.
Eu perdi um negócio milionário, inclusive da China, porque um dos meus diretores cantou a noiva do investidor Chinês na mesa de negócios.

_Claro que com uma pessoa tão linda como a senhora, nós colocaríamos todo nosso dinheiro na sua empresa.

Isso deixou o chinês indignado num primeiro momento. Foi embaraçoso para todos, menos para os brasileiros que estavam na mesa de negócios. Só eles riam das piadas. Ele se achava o cara porque se formou na USP e fez pós em Harvard. Eu pagava uma fortuna pra esse imbecil pra ele continuar negociando assim:

_No Brasil é costume depois do negócio sairmos para beber e comemorar. Se a senhorita não ligar, eu gostaria de sair com você, e é claro com nossos amigos chineses.

Os chineses olharam um para a cara do outro e pediram um tempo. Eu já sabia que eles iriam voltar com um não. Hoje eu gasto uma boa grana para treinar o pessoal das minhas empresas. Hoje em dia é tudo no papel. O senhor Vanzetti tem o CNPJ mais poderoso do Brasil. E tudo isso usando as táticas de empreendimento e colonização dos europeus no século XVI. Os brasileiros acham que vão dar certo na vida trabalhando honestamente. Coitados. Nunca vão saber a hora de ser honesto e a hora de ser safado. Pra sobreviver no Brasil é preciso de um pouco dos dois. Calma. Muita informação num curto período de tempo. Há que se recordar que há o Plano. E há um Piloto desse plano. Voar para a Capital o mais rápido possível. Não posso ser visto aqui, No Viaduto do Chá, dando milho aos pombos. A voz dela sussurra nos meus ouvidos:

_Tá vendo aquela estrela? Ela é a nossa luz. Enquanto ela brilhar eu irei te amar. E quando ela parar de brilhar vou te amar ainda mais. Gennaro. Eu nunca te falei isso. Mas acho que você é a melhor pessoa do mundo. Eu quero que você seja o pai da minha filha, dos nossos filhos. Quero casar com você e viver feliz pra sempre, até que velhinhos, na cadeira de rodas, de mãos dadas olhemos para nossos netos com a certeza de que foi uma historia de amor. Gennaro. Eu quero você. Agora. Sempre.


Crônica improvisada