Thursday, 12 November 2015

Prefácio no Teatro

O DIRETOR

_Silêncio! Meus amores, não é o momento adequado para discutir as leituras dos textos. Temos um prazo a cumprir, e o tempo urge contra nós, portanto ele não é apenas trágico. Portanto, sentem-se enquanto eu faço as orientações finais de algumas passagens que ficaram péssimas a última vez. Gente. Por favor, vocês são atores profissionais. Só rindo mesmo né? Não me obriguem a gritar e falar mais de uma vez, tive uma noite horrível, estou de ressaca, enfim, meus anjos barrocos, sentai porque é gostoso e bom. Menos você meu lindo. Vem aqui. 

O POETA

_Que nenhum disparate provoque o embaraço deste ser miserável e nu a luz da lua. Uma lua azul que que logo é prateada, vermelha, sangrenta, brutal e que sempre me reduz a mil pedaços e fragmentos de pó. Lunático devo ser, adorador da lua e do lobisomem. Ser ou não ser já é uma questão antiga...

O DIRETOR

_Calma, respire fundo. Perfeito. Eu sei que você tem lido bastante a respeito dessa personagem e fez uma pesquisa histórica considerável, a qual eu estimo e respeito muito, e parem com esse burburinho aí atrás antes que eu faça alguma coisa voar. A sua frase, ou melhor dizendo, sua paráfrase do texto original pareceu demasiado melancólica.

O POETA

_E o que isso importa? Não é a poesia o reino da imaginação onde tudo é possível? Não seria uma fuga do discurso cotidiano, do todos falam e ninguém ouve ninguém, não deveria a poesia ser uma encenação superior à encenação social, o viver as próprias vidas não seria inútil comparado com a multiplicidade infinita de sensibilidades ilustradas pelo discurso poético?

O DIRETOR

_Poetas melancólicos estão ultrapassados. Não se ouve mais falar de utópicos e românticos. A nossa era é digital. E não é essa virtude que eu encontro na figura da personagem e não quero que você atribua esse tom melancólico pesado ao poeta. Fale com firmeza, porém com a ternura de uma criança. Como um louco que por algum transtorno pessoal não conseguiu adaptar-se à sociedade pós-moderna, e, por ter princípios revolucionários virtuosos e por isso mesmo esdrúxulos em nossa época, passa fome, vive às expensas dos amigos ou do governo, não consegue nunca publicar um poema que seja, mas se acha o ser mais inteligente e criador de sua era, por favor coleguinhas parem de rir, eu estou tentando definir alguns traços dessa personagem...como diria?...uma criança...

O POETA

_Baudelaire?

O DIRETOR

_Você lindíssima e uma doçura encarnada em pessoa, por favor venha até o palco. Talvez você possa nos ajudar lindinha. Ela é muito linda como todos vocês! Invejosos! Reiniciem a cena que estávamos...ontem..vocês lembram não quero entrar em detalhes.

O POETA

_O brilho dos seus olhos negros é encantador como a chama de Nidora. Quando eu me aproximo do teu corpo teu perfume me abraça e me acorrenta num beijo avassalador, me enleia pelas nuvens de éter e na torre de marfim, onde seu sorriso é eternamente sincero e encantador. Sem rimas! As vezes me pego no torpe devaneio de beijar-lhe a fronte. Agora que estamos tão perto um do outro e o seu cabelo cacheado toca meus ouvidos, arrepiando-me de um medo incerto e crescente, para dizer o que todos já cansaram de dizer, que meu amor...

O DIRETOR

_Não, não, não. Pode parar. Agora. Querida, eu gostaria que você comentasse um pouco sobre a sua personagem. Desculpem todos por interromper, seus chatos, vamos mudar um pouco de assunto e ver se conseguimos entender que tipo de personagem é o poeta e qual tipo de amor existe entre ele e a bufa. Obrigado minha linda.

A BUFA

_Boa noite diretor, colegas de palco e de bebedeira, bem, essa personagem da bufa surge em um momento de solidão e privação material do poeta, nessa eles começam a ter uma amizade colorida, que para a bufa era apenas mais uma forma de representação. Só que o poeta vive imerso na fantasia e acaba por acreditar e ter fé na ilusão do amor representado. Posso continuar? Bem, para a personagem bufa tudo é uma grande brincadeira, mas o poeta, ao ver que o seu amor não passava de encenação, esqueça da brincadeira de amar e fica profundamente triste e doentio, além de na cena seguinte chorar de desespero. O poeta nunca quis brincar de amor, assim eu entendo a melancolia da proposta do nosso colega. Por fim a bufa, ao ver que ele não consegue entender de nenhuma forma que acabou, ela passa a usar do chicote com ele e....

O DIRETOR

_Está ótima a sua leitura, muito obrigado, mas pode parar por aí gata. Esta outra característica, este outro ego da bufa, vai agir, talvez sadicamente contra a ilusão do poeta. Só que neste momento vocês vão encenar a representação cômica do amor. Não estou falando dos atores em palco, figuras maravilhosas que eu amo de paixão, mas dos atores presentes nos textos, então precisa existir um nível de fingimento de ambas as partes. Este é o amor que vende nos tempos pós-modernos. Amor como farsa entre duas pessoas reificadas. Um amor que é produto de dois seres que consomem-se mutuamente, portanto os seres passam a ser eles mesmos objetos de seus fetiches e ilusões, o amor é mais um resultado desse produto descartável. Vocês entenderam o que eu estou falando? Poderiam encenar uma pequena palha de algo nesse sentido do que acabei de dizer? 

A BUFA

_Você é muito calado. Isso me assusta. Mas não é sobre isso que eu queria falar sabe. Eu nunca gostei de você cara. Eu senti um pouco de pena no começo, por ver que você tava morando na rua, que havia sido expulso da cidade, mas não tem como, seus poemas são ruins de ler, artificiais criações de sua subjetividade perdida. E o pior de todos os defeitos, eu falo com você e você fica com essa cara de merda. O pior de tudo é que você é chato. Você não consegue me fazer rir, sorrir, enfim, você só me traz preocupação, e eu sou eternamente feliz, eu vivo e transbordo felicidade e você é muito negativo, estranho. Uma mulher precisa de risadas. 

O POETA

_Você adora rir de mim? Da minha situação lamentável? Da minha poesia barata? Eu não sou, eu não existo para ser objeto da sua satisfação social, eu nunca prestei pra você, sou machista, burro e tenho limitações fundamentadas. Eu sou um lixo que não presta pra trepar, não presta pra fazer você rir e só toca você no sentido ruim. 

A BUFA

_Meu bem, eu sou uma pessoa feliz sem você, eu não preciso de você, muito menos de ficar ouvindo você chorar em como a vida é cruel. Isso me cansa cara, me dá um tempo. Eu tenho muitos amigos, diferente de você eu não dependo da caridade de ninguém, e a verdade, a mais pura verdade é que você sabe que eu sou sua amiga, eu vou ser sempre sua amiga, você é legal as vezes, eu só não quero mais ter noites de amor ardente com você. Você é burro meu bem?

O POETA

_Você me odeia não é? Até hoje ninguém fora tão extravagante e ousado para me dizer tantas coisas. Eu não poderia supor que isso fosse possível. Mas é o ódio venenoso que corre nas suas veias.

A BUFA

_Sim, eu odeio você. É visceral meu ódio quando você critica o espetáculo e reduz tudo à mera poeira comercial, incluindo eu, a atriz, você critica meus amigos de palco, o trabalho que eu faço como palhaça, mas olha só, quando saímos juntos, apesar deu pagar tudo, porque você é um quebrado morto de fome, você age de forme rude, grosseira, extremamente lacônico, desagradável. Você deveria fazer terapia. Está indo ao psicólogo? Você está sendo uma despesa muito grande em todos os sentidos e eu nunca quis levar isso à frente a não ser por pena de você. Mas eu tenho que ter pena de mim, ainda mais que você vem demonstrando ser um bruto insensível, seus dentes podres e cheios de tártaro me dão vontade de vomitar. Eu só poderia estar louca no momento em que eu trouxe você pra minha casa, pra minha vida, e eu posso provar que estava louca. Desculpe, eu acho que tenho medo de você, desculpe mas é a verdade. Eu sou apaixonada por outra pessoa, e, no fundo, eu só achava o seu pau gostoso. Mas queria  que você entendesse que somos amigos. Pra sempre não é? Fala pra sempre: Fala. 

O POETA

_Eu amo você.

A BUFA (após uma longa gargalhada)

_É a coisa mais engraçada que eu já ouvi na vida. Você não tem espelho meu bem? Eu falei pra você não se apaixonar por mim. Eu também não me importo com o que você sente ou não sente por mim. Foda-se o seu amor, da minha vida eu sei cuidar muito bem. E eu sei usar o desprezo como arma letal, porque eu queria que você se sentisse um lixo perto dos meus amigos, eu falo pra eles que você está insuportável, é um machista desgraçado e que qualquer hora eu vou acabar chamando a polícia pra você. Você é estúpido meu bem, e a burrice merece o desprezo que tem. 

O POETA (de cabeça abaixada, olhando para o chão)

_Sinto muito por ter aparecido na sua vida. Sou um parasita ridículo e digno de ser desprezado. 

A BUFA (rindo enquanto fala)

_Ah! A criança vai chorar? Suas lágrimas são tão insignificantes quanto o lodo que escorre sob meus pés. Olha bem aqui pra mim: Eu odeio você. Entendeu?

O POETA

_Eu nunca imaginei que você pudesse ser tão fria.

A BUFA

_Falta de imaginação é um defeito imperdoável para os poetas. Quer saber? Você nem tem o pau grande. Só disse isso porque é o que todo homem gosta de ouvir...

O DIRETOR (triunfante e orgulhoso)

_Muito bem, uma salva de palmas para nossos colegas e vamos continuar. Ficou clara a proposta do exercício? Eu achei que o poeta poderia falar mais, e quando rever a gravação, pense que a bufa é a sua mãe, está brigando contigo, impingindo-lhe um castigo moral que o deixa triste. Lembre-se, você precisa despertar o instinto de infância toda vez que estiver atuando. A essência da sua personagem é melancolia. A criança triste e emburrada, gente, prestem atenção nisso, não importam os liames da poesia, o lirismo, arte pela arte, expressão verbal por meio de versos, ritmo, rima e todo o resto. Poesia é um luxo que não interessa a nós nesse instante. Quando você disse "Eu amo você" soou tão superficial como as propagandas de sabão em pó e o cinema. Esta frase não pode ser dita, a não quer que fosse uma ironia, uma farsa, o que parece não ser o caso. Vejamos, quais ideias a literatura carrega a respeito da expressão "eu amo você" ao longo dos séculos, é nosso trabalhar descobrir com pesquisa. Esta frase já foi tão repetida que ela não significa e nem vale nada. Contudo, a resposta da bufa transforma o discurso clichê do poeta em algo cômico, dessa forma sendo possível vender este amor para um público sedento por sensações e emoções. 

O POETA

_No fundo é só isso que importa. Até as emoções podem ser compradas. 

O DIRETOR

_Sim, por isso eu contratei você. E se continuar reclamando posso descontratar. Brincadeira meu amor, olha você sabe que eu adoro você, então vamos trabalhar, esta indo tudo ótimo. Vocês dois agora, vamos tentar a cena em que o poeta é expulso da cidade. 


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