Monday 24 April 2017

As Fúrias

Antes de começar este capítulo sobre As Fúrias é necessário ponderar duas breves considerações. Primeiro, os deuses da literatura clássica não são alegorias nem metáforas. Alegoria é uma figura de linguagem de uso retórico que consiste em extrapolar a semântica de dado objeto, seja este uma pintura, uma escultura ou um poema. 
Uma alegoria não é um conjunto de metáforas como vulgarmente pode-se ouvir por aí. Um conjunto de metáforas é, por exemplo, uma descrição de um objeto onde suas partes são tomadas em comparação a outras. Ao descrever a mulher amada o amante pode dizer: seus olhos são o sol, sua boca é uma rosa, seu corpo é uma escultura, etc, isto é um conjunto de metáforas. 
Esta ressalva é importante pois seguindo um comentário de J. R. R. Tolkien, autor de uma saga épica moderna, O Senhor dos Anéis, a alegoria destrói a perspectiva real das personagens. O Senhor dos Anéis não é uma alegoria da Segunda Guerra Mundial, os Hobbits não são alegorias de alguma civilização existente.
Ao considerar alguma personagem ou espaço como alegoria, o sentido real da representação destes na obra perde seu valor e passa a ser mera marionete volúvel do desejo egocêntrico do leitor. 
O mesmo acontece nas obras épicas clássicas. Zeus não é uma alegoria do poder. É uma personagem com características específicas dentro da Ilíada e da Odisseia. Do mesmo modo devemos tratar das Fúrias. As Fúrias não são meras alegorias para representar emoções humanas desgastadas e vis. São personagens ativas com características próprias dentro da obra. 
A segunda consideração concerne ao gênero da existência humana presente na literatura épica. A maioria dos leitores não se importam em apreciar tal tipo de obra com demasiado peso trágico. As questões propostas pelos autores clássicos são essenciais para a compreensão da existência humana e seu lugar dentro de uma sociedade politicamente organizada.
São questões simples, que por isso mesmo engrandecem o valor universal da obra: quem poderia ousar descrever o quanto uma pessoa pode amar outra, a ponto de deixar todos seus deveres cívicos de lado e lutar contra seus próprios amigos e aliados de guerra para ter esse amor? Já vimos como isso aconteceu com Elisa. Aquiles está nesta primeira questão, pois ele deixa de lado seu dever militar para defender seu amor por Briseida, e com isto leva seus compatriotas e amigos para a escuridão.
Entender porque nós humanos fazemos o que fazemos. Porque enganamos nossos melhores amigos? Porque recompensamos nossos inimigos? Porque vamos à guerra e sacrificamos nossas vidas por uma causa perdida? Porque nós perdoamos os outros desafiando a lógica e as leis da natureza com um único e simples ato de compaixão? O ser humano é fraco e cheio de defeitos. A tragédia nos traz isso como uma tapa na cara, mas ao mesmo tempo como um beijo suave do ente amado. 
O herói moderno muitas vezes é alguém caído, corrupto, destruído emocionalmente e que na busca da sua redenção acaba encontrando um fim trágico exposto pelas forças ocultas do destino. Como é o caso do Fausto de Goethe. O vício, a fofoca, o orgulho e a vingança são características universais da humanidade. Quem não se identifica com esse tipo de fraqueza humana é alguém com pouca humildade. 
Naquilo que reside dentro da alma de cada um de nós, Homero, Virgílio e outros autores souberam tomar a medida certa. E dentre toda esta miríade de sentimentos humanos muitas vezes indescritíveis e por natureza ilógicos, os clássicos sempre valorizaram o principal elemento que quebra a harmonia: a raiva. 
A raiva, ou a fúria é composta daquilo que não pode ser racionalizado. Um segundo de nossas vidas tomados pela cólera pode transformar nossa história para sempre, pode nos arrojar no inferno e nos deixar solitários e vagando pelas estrelas da culpabilidade. A raiva surge naquilo que a humanidade não pode controlar pois não é inteligível. É um aspecto animal que transcende nossa alma. A fúria oblitera a capacidade humana de raciocinar de forma benevolente, de atingir algum espectro de lógica e buscar uma solução serena para beligerâncias mundanas. 
Quando o coração bate forte demais e não sabemos por que. E qual ser humano pode se considerar livre desta angústia espiritual. Quem nunca sentiu os chicotes da cólera perpetrar seus ossos não deve ser humano. A ira é um pecado capital para os católicos. É apenas um passo na ribanceira que nos faz cair na loucura, no desmedido, no puramente animal que existe dentro de cada um de nós. 
A literatura clássica é a mãe da pedagogia humana. A tragédia nos ensina a ter fé e controle sobre aquilo que amamos principalmente. Pois é justamente a perda daquilo que temos mais cuidado que pode levar ao descontrole emocional. Antes da fúria está o medo inconsciente de perdermos. O orgulho humano aliado ao medo é incapaz de aceitar a perda. E quem vive sem perder nada? As vezes por perder dez minutos no trânsito já ficamos impacientes e raivosos.
Nem os santos ou heróis são imunes á fúria. Aquiles é um exemplo, não uma alegoria como já foi dito, de bondade, beleza e justiça. E são justamente estes valores elevados que levam o herói a não aceitar uma injustiça descabida. Por ser bom e justo Aquiles perde o controle emocional e tenta assassinar o filho de Atreu. São as pessoas boas e justas as mais sensíveis à raiva, por terem um senso de justiça elevado não podem aceitar qualquer tipo de crueldade sem ter uma reação. 
A hipérbole no mais das vezes é um recurso usado para educar a civilização naquilo que é mais importante para o desenvolvimento moral de uma sociedade. Imagine um pai que para obter êxito numa empresa militar, imola a própria filha num ritual sinistro para fazer oferta para os onipotentes deuses do Olimpo. 
Este mesmo pai que sacrificou a filha retorna ao lar após dez anos de guerra e acaba sendo assassinado pela esposa e mãe furiosa em conluio com seu amante. Agora imagine o filho deste casal. Ter a irmã sacrificada num ritual por poder e riqueza, e a mãe, num ato de luxúria e ódio assassina friamente o pai. 
Que tipo de reação este miserável filho pode ter diante do iminente descontrole de seus pais? E a lei humana não o socorre numa encruzilhada destas. A lei humana diz claramente que o filho tem a prerrogativa moral de vingar-se do assassino do pai sem sofrer nenhuma penalidade. Contudo, esta mesma lei diz que um filho não pode assassinar a própria mãe. Como no verso 331, Livro III da Eneida, onde Orestes mata o filho de Aquiles tomado pelas Fúrias Ast illum, ereptae magno inflammatus amore, coniugis et scelerum Furiis agitatus, Orestes excipit incautum patriasque obtruncat aras.
Esta é apenas uma pincelada da tragédia Oresteia, escrita por Ésquilo. A literatura clássica é pesada para nossos contemporâneos e causa espanto e terror naqueles que a presenciam. Por não entender o sentido profundamente humano e pedagógico da literatura clássica, os contemporâneos a condenam por hedionda, criminosa, insidiosa. 
Um caso pueril e recente em nossa história aconteceu com a banda de blues The Doors há poucos anos. Em uma música chamada "The End" a banda narra a história de um filho que anseia por assassinar o próprio pai e ter relações sexuais com a própria mãe:

The killer awoke before dawn, he put his boots on 
He took a face from the ancient gallery 
And he walked on down the hall 
He went into the room where his sister lived, and...then he 
Paid a visit to his brother, and then he 
He walked on down the hall, and 
And he came to a door...and he looked inside 
Father, yes son, I want to kill you 
Mother...I want to...fuck you. 

(The Doors: The End - Sunset Sound Recorders/Elektra, 1967)

Traduzindo livremente: O assassino acordou antes do amanhecer/calçou suas botas/Ele deu uma olhada pela antiga galeria/e seguiu pelo corredor/ele foi até o quarto onde sua irmã morava e então ele/visitou o seu irmão e então ele/seguiu pelo corredor e/ele chegou até uma porta e ele olhou lá dentro:/Pai? _Sim filho. Eu quero te matar/Mãe? Eu quero foder você.
O impacto causado por esta citação simples da notória tragédia grega Édipo Rei fala por si mesmo. O vocalista da banda foi preso mais de uma vez no palco por recitar estes versos publicamente, considerados ofensivos para a sociedade. No álbum de estúdio eles cortaram a parte na qual o filho diz que quer transar com a mãe. A literatura clássica é uma ameaça aos tabus construídos pela nossa sociedade obsessiva. 
Não entendo e não quero entender, este é o argumento de defesa da nossa sociedade. Ou então como meu filho vai ouvir uma música dessa? Como podemos educar nossas crianças com essas atrocidades inventadas pelos gregos antigos? O senso comum é estupendo na arte de aniquilar aquilo que é belo e foi criado sem o intuito de macular os valores morais da sociedade.
Canta, ó Musa a ira do filho de Peleu, Aquiles. No proêmio da Ilíada, no Canto I, ou seja logo nos primeiros versos, o poeta invoca as imortais Musas para inspirar seu canto. As Musas são as filhas de Zeus e Mnemosine, deusa da memória.
O tópico principal que inicia a Ilíada é a Menis de Aquiles e seu efeito devastador sobre os seus camaradas aqueus. A palavra grega Menis que é convencionalmente traduzida como "ira", como no verso 1 da Ilíada, em Homero sempre denota um sentido especificamente de "ira divina". Destarte a ira de Aquiles está associada com a vingança tempestuosa dos deuses que é consequência de uma transgressão de propriedade privada divinamente sancionada pelas ordens da sociedade civil e do cosmos.
A promessa macabra de cantar os corpos dos heróis como presa para as bestas nunca é completada na Ilíada. Como na tradução de Haroldo de Campos que segue abaixo, os heróis como espólio para os cães, pasto de aves rapaces. A transgressão da propriedade privada se dá no momento em que Agamemnon, num ato de "doce estupidez" expropria Briseida do acampamento de Aquiles, num ato de orgulho por ter perdido seu próprio espólio, Criseida. Apolo então lança uma pestilência sobre as embarcações argivas e obriga Agamemnon a devolver Criseida para sua família em troca de um resgate.
A ira de Aquiles acontece, pois o herói não considera Briseida apenas como sua propriedade privada, como mero espólio de guerra, mas por ter desenvolvido um sério afeto pela sacerdotisa troiana, e quiça até tenha se apaixonado profundamente por ela. Celebrar a ira de Aquiles é uma forma de trazer As Fúrias para a cena, mas usando um recurso muito comum no teatro que é aquilo que acontece "atrás do palco" ou por detrás das cortinas. As Fúrias estão ali mas não são citadas literalmente como acontece em muitos momentos da Eneida. Observemos um trecho do proêmio da Ilíada: 

A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles,
o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas
trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades
de valentes, de heróis, espólio para os cães,
pasto de aves rapaces: fez-se a lei de Zeus;
desde que por primeiro a discórdia apartou
o Atreide, chefe de homens, e o divino Aquiles.
Que Deus, posto entre ambos, provocou a rixa?
O filho de Latona e Zeus. Irou-o o rei

(Homero - A Ilíada: Canto I - Tradução de Haroldo de Campos - Editora ARX, 2002)

Nenhum herói torna-se um cadáver insepulto na Ilíada, como é prometido no proêmio. Até mesmo Hector foi poupado dessa desgraça, pois mesmo no auge de seu desvario, Aquiles teve o bom senso de devolver o corpo do guerreiro troiano para Príamo em troca de um valoroso resgate. Seguindo esta linha de raciocínio, o que faz com que um poeta decida cantar e celebrar a loucura? A fúria como tema principal de uma obra que é um dos pilares da literatura ocidental.
A doce loucura de Agamemnon ao exigir um espólio que não era seu gera invariavelmente a ira de Aquiles e toda as consequências que seguem a isto para o desfecho e trágico final dos heróis. A doce loucura ou estupidez de Agamemnon pode ter iniciado quando ele decidiu sacrificar a própria filha Ifigênia.
No contexto da Eneida, As Fúrias são citadas em vários momentos. São elas Tisífone, Megera e Alecto. Não obstante, há um papel de destaque apenas para a mais velha das Fúrias, Alecto, dentro da Eneida. Para mais informações sobre as outras Fúrias basta dar um clique no navegador e ir na famosa wikipédia.
A primeira citação das Fúrias acontece no Livro I quando o poeta narra o assassinato de Siqueu, ex-marido de Dido, por Pigmalião, irmão dela. Pigmalião estava dominado pela influência das Fúrias:

Huic coniunx Sychaeus erat, ditissimus agri
Phoenicum, et magno miserae dilectus amore, 
cui pater intactam dederat, primisque iugarat
ominibus. Sed regna Tyri germanus habebat
Pygmalion, scelere ante alios immanior omnes.
Quos inter medius uenit furor. Ille Sychaeum
impius ante aras atque auri caecus amore
clam ferro incautum superat, securus amorum
germanae; factumque diu celauit et aegram
multa malus simulans uana spe lusit amantem. 

(Eneida - Livro I: versos 344-351)

No capítulo anterior, Lavínia, há algum tipo de referência a ação prática da Fúria Alecto sobre Amata esposa do rei Latino e sobre o rei dos rútulos Turno. Em um outro instante destes escritos há uma promessa de narrar com mais detalhes a fúria de Dido ao ver os troianos partirem, e junto com eles seu eternamente amado Eneias. Este adendo tem um lugar devido aqui neste capítulo e passaremos a explorar melhor esta especificidade.
Ao perceber de sua atalaia os navios troianos partindo e as praias vazias, Dido golpeia seu peito três ou quatro vezes com ódio e começa a puxar seus próprios cabelos loiros. Dido, tomada pela influência negativa das Fúrias começa a reclamar com o pai dos deuses Júpiter.
"Há deste homem escapar de mim Júpiter?" Grita Dido no ápice de sua impetuosidade. Ela continua a questionar consigo mesma como este estrangeiro foi até lá para zombar dela em seu próprio reino. Dido comanda seus homens para iniciar guerra contra os troianos, mas estes já estão longe.
Em um raro momento de lucidez Dido questiona suas próprias palavras: mas o que estou dizendo? onde estou? Que desvario me cega a esse ponto?
Dido infeliz sente o peso da sua desgraça, o fato consumado e imutável da perda do amor. Vê-lo partir sem nada poder fazer a não ser ranger os dentes e gritar. O amor transformado em fel pelo talante da ventura. O não amor logo vira-se como vinho em vinagre. O desejo de Dido é esquartejá-lo e lançar seu corpo insepulto nas ondas do mar. Matar todos seus camaradas troianos, e a seu filho Ascânio (absurdo!), bem, Dido tenciona ofertar o corpo do menino em um banquete, para servir como um prato excelente.
Novamente Dido questiona-se, tem um milhão de dúvidas e sentimentos confusos que se debatem dentro dela, jogando a alma e o coração um contra o outro, destruindo-a completamente: "Mas fazendo tudo isto a vitória estaria ao meu lado? Que importa? Quem vai morrer deve temer o que? Se pudesse, continua Dido, incendiaria imediatamente seu acampamento, colocaria fogo nos navios e de um golpe extinguiria o pai e o filho, essa raça maldita, e ao fim daria cabo da minha jubilosa vida.
Logo Dido invoca Juno, Hécate e as Fúrias, do mal vingadoras, para ouvir sua prece sombria e maligna. Em sua prece Dido ambiciona que Eneias seja derrotado e abatido no Lácio, que veja seu filho e seus companheiros de viagem mortos, que jamais goze de um reino e que prematuro pereça e insepulto seu corpo na areia se desfaça:

Regina e speculis ut primam albescere lucem
uidit et aequatis classem procedere uelis,
litoraque et uacuos sensit sine remige portus,
terque quaterque manu pectus percussa decorum
flauentisque abscissa comas ‚pro Iuppiter! ibit 
hic,‘ ait ‚et nostris inluserit aduena regnis?
Non arma expedient totaque ex urbe sequentur,
diripientque rates alii naualibus? ite,
ferte citi flammas, date tela, impellite remos!
Quid loquor? aut ubi sum? quae mentem insania mutat? 
Infelix Dido, nunc te facta impia tangunt?
Tum decuit, cum sceptra dabas. en dextra fidesque,
quem secum patrios aiunt portare penatis,
quem subiisse umeris confectum aetate parentem!
Non potui abreptum diuellere corpus et undis 
spargere? non socios, non ipsum absumere ferro
Ascanium patriisque epulandum ponere mensis?
Verum anceps pugnae fuerat fortuna. fuisset:
Quem metui moritura? faces in castra tulissem
implessemque foros flammis natumque patremque 
cum genere exstinxem, memet super ipsa dedissem.
Sol, qui terrarum flammis opera omnia lustras,
tuque harum interpres curarum et conscia Iuno,
nocturnisque Hecate triuiis ululata per urbes
et Dirae ultrices et di morientis Elissae, 
accipite haec, meritumque malis aduertite numen
et nostras audite preces. si tangere portus
infandum caput ac terris adnare necesse est,
et sic fata Iouis poscunt, hic terminus haeret,
at bello audacis populi uexatus et armis, 
finibus extorris, complexu auulsus Iuli
auxilium imploret uideatque indigna suorum
funera; nec, cum se sub leges pacis iniquae
tradiderit, regno aut optata luce fruatur,
sed cadat ante diem mediaque inhumatus harena. 
Haec precor, hanc uocem extremam cum sanguine fundo.
Tum uos, o Tyrii, stirpem et genus omne futurum
exercete odiis, cinerique haec mittite nostro
munera. nullus amor populis nec foedera sunto.

(Eneida - Livro IV: versos 586-624)

Já sabemos o infeliz resultado da frustração da rainha fenícia Dido. Sabemos também que uma coisa leva a outra. O medo traz a insegurança, o ciúmes, o egoísmo e estes logo tornam-se raiva, fúria, ódio. A ira desvariada de Aquiles fez ele abandonar o campo de batalha, como forma de se vingar do filho de Atreu por ter se apropriado de sua amada.
A inércia de Aquiles causou um ruído estrondoso em seu amado primo Patroclo, e este decide irresponsavelmente tomar as armas de Aquiles e lutar contra os troianos tomando a postura do grande herói. Patroclo acaba sendo morto por Hector em combate. Aquiles fica ainda mais furioso e decide entrar em combate singular com Hector. Aquiles mata Hector e amarra os pés do herói troiano à sua biga enquanto dá voltas pelas muralhas de Troia amaldiçoando a raça de Príamo.
Talvez nossos contemporâneos levem strictu sensu o sentido da palavra pedagogia. paidos sendo criança e gogía condução. Como se apenas as crianças e os estudantes tivessem o dever de serem educados. Para os antigos estamos sempre em processo de aprendizado e melhoramento espiritual, moral e cívico. Sempre há algo novo para se aprender, e neste sentido, seria bom que o dom da curiosidade, da vivacidade diante de uma nova descoberta, a alegria da descoberta tão comum nos pequenos estivesse como uma chama acesa dentro dos adultos, que por serem profissionais ou graduados pensam não ter de aprender mais nada.
E somos nós adultos que temos a obrigação de entender aquilo que nos move e que principalmente está fora do nosso controle, sendo a fúria desmedida um desses defeitos tão explorados pela literatura clássica. A raiva conduz invariavelmente ao erro. A perda da razão. Numa discussão não importa quem está certo quem está errado, mas se alguém grita ou levanta a voz primeiro, esta pessoa está errada.
O erro nem sempre é um crime capital. Mas muitas vezes o erro conduz ao crime. E então somos punidos por nossa própria falta de controle, somos punidos por deixarmos de lado nossa humanidade e cultuarmos num altar sagrado o orgulho, pai do ego e daquilo que existe de mais feio em todo ser vivo. Agir como um cão que ladra ao ver outro cão, como um leão que devora suas presas. Viver em sociedade requer responsabilidade e sobriedade acima de tudo.
Entender nossas fraquezas por meio de arte literária e, acima de tudo, aceitá-las como parte da nossa composição é um dos caminhos para evitar o erro. Evitar o exagero. A busca pelo poder e pelo conhecimento. O orgulho de ter e saber não são suficientes para frear os impulsos da cólera. E quantos absurdos não acontecem na nossa sociedade de hoje só porque alguém decidiu deixar se levar pelos instintos mais brutais?
Tomemos a lição dos estoicos e apliquemos estas teorias em nossas vidas. Prudência para que possamos avaliar com cuidado a arte, a vida e outros irmãos que estão ao nosso redor. Coragem para que possamos enfrentar as dificuldades da vida, as perdas que estão fora do nosso controle. Temperança, irmã da coragem para que possamos resistir às tentações daqueles ignorantes que tentam nos conduzir para o caminho da perversidade, resistir as provocações e as tentações do ego. Justiça para que não sejamos hipócritas ao ponto de julgar outrem sendo nós mesmos os caídos e corruptos.


C. H. Barbosa - As Fúrias ou A Ira 





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