Saturday, 24 February 2018

Canto fúnebre

Anoitece. estou sozinha, perdida sobre o vão do prédio surrado pela tormenta. O vento carrega as gris nuvens, a trovoada brilha pelo reflexo do vidro dos edifícios. Bramando gentil e iluminadamente. Nenhuma residência me abriga da chuva; Sinto-me abandonada sobre o vão do prédio surrado pela tormenta. 
A lua poderia nascer por dentre as nuvens que as envolvem. Rezo para alguma estrela brotar no negro céu. Que um táxi pudesse me guiar ao meu amor, seu violão junto dele, os cães extenuados ninando ao seu redor, descanso após um dia de corrida no parque!
Agora é preciso que eu fique onde estou. Perdida entre o asfalto e os carros molhados pra cima e para baixo. Onde fico oculta pelas nuvens e pelas sombras da tempestade. A enxurrada e o temporal gemem fazendo com que eu não ouça a voz do meu amor. 
Meu amado, por que demora tanto? Será que ele esqueceu da sua promessa? Eis o prédio, eis a cidade, eis a enxurrada barulhenta! Você havia prometido estar aqui ao anoitecer; Que digo, por onde andará meu amor? Quero fugir contigo para longe de meu pai e meu irmão, criaturas pretensiosas! Faz muito tempo que nossas famílias são inimigas, mas nós não somos adversários, meu amor. 
Cale-se vendaval! Cale-se um pouco! Enxurradas, o mínimo de silêncio vos peço! Que minha voz reflita por todas esquinas e becos para que meu amor me ouça! Amor, sou eu quem te chama! 
Eis-me aqui junto do prédio e dentro da urbe. Amor eis-me aqui! Por que demora tanto?
A Lua ressurge; todos os vidros brilham, e é possível ver o final da rua. Acabou a energia elétrica. Vou andando pela calçada, e vejo alguns cães parecidos com os seus, mas eles não anunciam a sua chegada. Deverei esperá-lo sozinha aqui. 
Mas quem são aqueles que dormem lá embaixo do asfalto? Será o meu amor? Será meu irmão? Respondam amigos! Não respondem. Uma ânsia tiraniza minha alma. Que digo, morreram! Suas armas estavam quentes do conflito. Irmão, porque assassinou o meu amor? Amor, porque assassinou meu irmão? Vocês me eram tão queridos. Você era o mais lindo de todos. E você era terrível nas brigas. Respondam-me! Escutem minha voz meus bem amados! Que digo, eles estão mudos. Mudos para sempre. Teu seio gélido como a terra. 
Do topo das construções, do concreto do asfalto, das profundezas do esgoto onde ainda há tempestade, falem comigo espíritos dos mortos, falem que não terei nenhum medo! Onde vocês foram buscar repouso? Em que boteco da cidade posso encontrar vocês? Já não tem muita gente nas ruas. Os carros pararam de passar. Nem o vento da tempestade sopra com força. A chuvarada ao longe não me envia nenhuma resposta. 
Sento no banco de uma praça, sucumbida de dor; entregue ao pranto esperarei o raiar do sol. Amigos cavem a sepultura daqueles que se foram e não a cubra com a fria terra até eu chegar! Minha vida se esvai como um sonho; Poderei retornar? Quero ficar aqui, junta àqueles a quem eu amava, aqui á beira da enxurrada que faz a cidade estremecer. 
Quando a noite baixar no centro, e o vento correr pelos sepulcros, lá estará minha alma como o vento para chorar a morte dos meus amigos. O bombeiro me ouvirá do seu posto de plantão. O bombeira irá temer e amar minha voz, porque há de ser doce chorando os meus amigos: ambos me eram tão queridos! O vento sibila pela praça. Um morador de rua me pede um cigarro. Devo morrer por entre becos e esquinas pelo barato. Os sapatos molhados. Queria andar descalça. Mas como posso pisar no chão. Quantas horas até a hora fatal em que possa rever meus amados? Devo caminhar. Uma torrente se aproxima. Sou eu e toda a cidade. Sozinha, perdida sobre o vão do prédio surrado pela tormenta. 


Carlos H. Barbosa - Canto fúnebre 

Wednesday, 24 January 2018

Remedios, la bella

A ideia aqui é tentar fazer uma leitura de personagem. O que torna uma personagem rica em caracteres emocionais, físicos, psicológicos e todas essas coisas legais. O livro é 'Cem anos de solidão' do autor Gabriel García Márquez. A personagem desta ficção é Remedios, a bela.
Este estilo literário é o Realismo Mágico, do século XX,  onde numa condição extremamente cotidiana e real, situações mágicas e até mitológicas brotam do enredo. Por exemplo, uma personagem da história sofre vários tiros a ponto de seu corpo ficar tão pesado de balas que um guincho teve que levar o corpo. E o cheiro de pólvora permaneceu por muito tempo no local.
O que me atraiu a ler este livro foi a série da Netflix, Narcos, que também compartilha parte desses elementos do realismo mágico, contudo numa situação de violência generalizada, e guerra contra narcoterrorismo.
A narrativa da história de Pablo Escobar, nesta série com uma linha documental, é a de um herói corrompido, ou um anti-herói que em algum momento é reconhecido pela sociedade como "Robin Hood", por retirar capital da classe superior por meio de tráfico internacional de drogas e redistribuir dessa riqueza narco-capitalista com as classes mais baixas. Não há dúvidas que há elementos realistas e fantásticos neste enredo da série 'Narcos': http://www.imdb.com/title/tt2707408/
Em outro momento Escobar torna-se uma figura política. O sonho da personagem é tornar-se presidente da Colômbia.
Após a frustração na vida política, após ser acusado de trágico de drogas pelo ministro da justiça, Escobar perde a estima de herói e passa a agir em termos de Maquiavel: Escobar manda assassinar o ministro da justiça, um candidato a presidência da Colômbia, Luis Carlos Galán, centenas de milhares de policiais, explode uma avião tentando assassinar outro candidato à presidência, e explode uma série de lugares públicos. E pior que não é filme do "Rambo".
Parece pouco provável que uma "paisa" tenha passado a faturar mais de $ 60 milhões de dólares por dia traficando cocaína. Um dos homens mais ricos do mundo, pousou na revista Forbes, que num primeiro instante foi amado pelo povo, e, num segundo momento aterrorizante. Lembrando que os vilões são vistos como heróis, e eles se veem como heróis de suas próprias ações. Os vilões são heróis dentro das suas histórias, senão me engano estou citando Joseph Campbell.
Anormal. Absurdo. Fantástico. Mágico. Além da imaginação. Impossível. Inimaginável. Uma mistura de Flaubert com Carroll: Bovary no mundo dos espelhos ou alguma coisa assim.

Algo similar acontece em 'Cem anos de solidão'. Infelizmente não posso ficar aqui desdobrando a genealogia dos Buendías, as loucuras de Úrsula, a sociedade de Macondo e outros detalhes importantíssimos uma tonelada, que valem muito a pena ler. Também é recomendável que você tenha lido a obra para poder compartilhar dessas ideias. A questão direta mesmo é ver de perto e de longe essa personagem, Remedios, a bela. (sim, há uma Remedios Moscote na história mas não vou tratar desta e sim daquela).
Neste primeiro excerto vemos o momento em que Santa Sofía de la Piedad batiza a pequena com o nome de Remedios, contra a vontade do finado Arcadio. E Úrsula replica dizendo que com esse nome de medicamento se sofre muito:



VII

La casa estaba llena de niños. Úrsula había recogido a Santa Sofía de la Piedad, con la hija mayor y un par de gemelos que nacieron cinco meses después del fusilamiento de Arcadio. Contra la última voluntad del fusilado, bautizó a la niña con el nombre de Remedios. «Estoy segura que eso fue lo que Arcadio quiso decir -alegó-. No la pondremos Úrsula, porque se sufre mucho con ese nombre.


Remedios, a bela é um anjo. Uma criança inocente sem malícia, apenas uma criança com vontade de brincar. E esse criança cresce e torna-se uma adolescente tão linda, tão mágica e sensual na sua beleza inocente, que acaba por causar estupor e demência nos homens que a veem ou a desejam. Que? Isso mesmo, vale muito a pena ler 'Cem anos de solidão', é uma história de leitura bem fácil, com enredo linear, bem divertida, cômica e trágica. Depende do capítulo que você ler. De modo geral a maioria são capítulos engraçados, que mesmo nas situações emocionalmente tristes, é possível extrair um senso de humor sublime.
Remedios, a bela é um tipo de beleza incomparável, uma deusa como Afrodite capaz de afetar de tal modo a percepção sensorial masculina de modo a causar tragédias horrendas.Sem querer implicar causalidade com isso.  Voltando... Parece meio exagerado isso, uma beleza que chega ao nível de ser tão impactante que pode até causar a morte. Novamente, sem relação causa e efeito.
Então Remedios, a bela, não é um anjo e sim um demônio? Na verdade, nem uma coisa nem outra. Isso seria limitar a personagem a duas interpretações muito simples. Preto ou branco. Ao comparar Remedios, a bela com um anjo ou uma deusa, não quero com isso usar o arquétipo interpretativo, e sim tentar por meio de comparações aproximar a beleza de Remedios a um nível supremo.
Remedios, a bela não é um demônio, contudo, voltando com uma pequena digressão apenas para encerrar esse assunto. Quando ela passa nua na sala cheia de pessoas, Remedios não o fez deliberadamente para criar furor sensual, e sim porque ela sentia-se mais a vontade nua. Quem atribui uma valor de sensualidade ao corpo de Remedios são os homens presentes na sala e o senso provocativo do leitor ao deparar-se com uma "insinuação" desse tipo.



IX

(...) Una tarde en que trataba de poner orden en la sala, Úrsula pidió ayuda a los soldados que custodiaban la casa. El joven comandante de la guardia les concedió el permiso. Poco a poco, Úrsula les fue asignando nuevas tareas. Los invitaba a comer, les regalaba ropas y zapatos y les enseñaba a leer y escribir. Cuando el gobierno suspendió la vigilancia, uno de ellos se quedó viviendo en la casa, y estuvo a su servicio por muchos años. El día de Año Nuevo, enloquecido por los desaires de Remedios, la bella, el joven comandante de la guardia amaneció muerto de amor junto a su ventana.


Não sei se existe algo mais belo e triste do que morrer de amor. Mas é exatamente isso que aconteceu com o jovem comandante. No dia do ano novo, enlouquecido pelas grosserias de Remedios, a bela, o jovem comandante da guarda amanheceu morto de amor junto à sua janela.
Que lindo. E que idiota. Na visão de Remedios, a bela, certamente este jovem comandante era um grande tolo. Agora as "grosserias" de Remedios é por causa do completo desinteresse sexual da jovem. E Remedios estava pensando em quaquer coisa menos esse tipo de relação. O que frustrou a personagem ao ponto de deixar-se morrer. Sem relação de causalidade, ele morreu por tolice, não por crueldade de Remedios. Remedios não é uma potência divina com poderes de aniquilar corações e espíritos:

En realidad, Remedios, la bella, no era un ser de este mundo. Hasta muy avanzada la pubertad, Santa Sofía de la Piedad tuvo que bañarla y ponerle la ropa, y aun cuando pudo valerse por sí misma había que vigilarla para que no pintara animalitos en las paredes con una varita embadurnada de su propia caca. Llegó a los veinte años sin aprender a leer y escribir, sin servirse de los cubiertos en la mesa, paseándose desnuda por la casa, porque su naturaleza se resistía a cualquier clase de convencionalismos. Cuando el joven comandante de la guardia le declaró su amor, lo rechazó sencillamente porque la asombró frivolidad. «Fíjate qué simple es -le dijo a Amaranta-. Dice que se está muriendo por mi, como si yo fuera un cólico miserere.» Cuando en efecto lo encontraron muerto junto a su ventana, Remedios, la bella, confirmó su impresión inicial. (Livro X) 

O que tem de mágico nisso é o exagero. Que torna toda a tragicidade da morte do jovem comandante, cômica. O excesso do trágico traz o cômico. A causa da morte do jovem comandante foi ele mesmo. Com suas frustrações, excessos e desejos incontroláveis. Deixou-se levar pela imaginação triunfante e pereceu ao pé da janela. 

X

Remedios, la bella, fue proclamada reina. Úrsula, que se estremecía ante la belleza inquietante de la bisnieta, no pudo impedir la elección. Hasta entonces había conseguido que no saliera a la calle, como no fuera para ir a misa con Amaranta, pero la obligaba a cubrirse la cara con una mantilla negra. Los hombres menos piadosos, los que se disfrazaban de curas para decir misas sacrílegas en la tienda de Catarino, asistían a la iglesia con el único propósito de ver aunque fuera un instante el rostro de Remedios, la bella, de cuya hermosura legendaria se hablaba con un fervor sobrecogido en todo el ámbito de la ciénaga. Pasó mucho tiempo antes de que lo consiguieran, y más les hubiera valido que la ocasión no llegara nunca, porque la mayoría de ellos no pudo recuperar jamás la placidez del sueño. El hombre que lo hizo posible, un forastero, perdió para siempre la serenidad, se enredó en los tremedales de la abyección y la miseria, y años después fue despedazado por un tren nocturno cuando se quedó dormido sobre los rieles.

Úrsula estremecia diante da beleza inquietante de Remedios! E é um medo oriundo da experiência de Úrsula. Cobrir o rosto da bisneta ao sair na rua é uma medida preventiva. Pois muitos daqueles que tiveram o prazer e o desprazer de ver essa beleza lendária, nunca mais recuperaram a placidez do sono. Uma beleza divina capaz de causar um magnífico estupor naqueles de espírito mais fraco.
Uma notícia de jornal "O homem que conseguiu ver Remedios, a bela, um forasteiro, perdeu para sempre a serenidade, enredou-se nas areias movediças da abjeção e da miséria, e anos depois foi espedaçado por um trem noturno quando adormeceu sobre os trilhos". 

X 2 

El caballero instalaba desde entonces la banda de música junto a la ventana de Remedios, la bella, y a veces hasta el amanecer. Aureliano Segundo fue el único que sintió por él una compasión cordial, y trató de quebrantar su perseverancia. «No pierda más el tiempo -le dijo una noche-. Las mujeres de esta casa son peores que las mulas.» Le ofreció su amistad, lo invitó a bañarse en champaña, trató de hacerle entender que las hembras de su familia tenían entrañas de pedernal, pero no consiguió vulnerar su obstinación. Exasperado por las interminables noches de música, el coronel Aureliano Buendía lo amenazó con curarle la aflicción a pistoletazos. Nada lo hizo desistir, salvo su propio y lamentable estado de desmoralización. De apuesto e impecable se hizo vil y harapiento. Se rumoraba que había abandonado poder y fortuna en su lejana nación, aunque en verdad no se conoció nunca su origen. Se volvió hombre de pleitos, pendenciero de cantina, y amaneció revolcado en sus propias excrecencias en la tienda de Catarino. Lo más triste de su drama era que Remedios, la bella, no se fijó en él ni siquiera cuando se presentaba a la iglesia vestido de príncipe. Recibió la rosa amarilla sin la menor malicia, más bien divertida por la extravagancia del gesto, y se levantó la mantilla para verle mejor la cara y no para mostrarle la suya.

Antigamente, lá pelos tempos do romantismo, era bonito escrever uma cena de um amante apaixonado que faz serenata debaixo da janela da amada. Já no realismo, o amante que tenta fazer esse tipo de coisa é esculachado. A amada chama a polícia, os vizinhos esculacham, ligam 190 por perturbação da ordem, nada dá certo, e é mais ou menos isso que acabou acontecendo com o cavaleiro apaixonado.
No romantismo Werther se mata de amor rapidamente para evitar a abjeção. No realismo um nobre cavaleiro, garboso e impecável faz-se vil e esfarrapado. Abandona poder e fortuna e torna-se homem de briga, arruaceiro de bar, e acaba por amanhecer emborcado nas suas próprias excreções na taberna de Catarino.
Não obstante aqui é Realismo + Mágica. A simplicidade gestual de Remedios ao levantar a mantilha apenas para ver melhor o rosto do forasteiro e não para ser vista.


XII 

Remedios, la bella, trataba a los hombres sin la menor malicia y acababa de trastornarlos con sus inocentes complacencias.

Cuando las cosas andaban mejor, se levantaba a las once de la mañana, y se encerraba hasta dos horas completamente desnuda en el baño, matando alacranes mientras se despejaba del denso y prolongado sueño. Luego se echaba agua de la alberca con una totuma. Era un acto tan prolongado, tan meticuloso, tan rico en situaciones ceremoniales, que quien no la conociera bien habría podido pensar que estaba entregada a una merecida adoración de su propio cuerpo. Para ella, sin embargo, aquel rito solitario carecía de toda sensualidad, y era simplemente una manera de perder el tiempo mientras le daba hambre. Un día, cuando empezaba a bañarse, un forastero levantó una teja del techo y se quedó sin aliento ante el tremendo espectáculo de su desnudez. Ella vio los ojos desolados a través de las tejas rotas y no tuvo una reacción de vergüenza, sino de alarma.
-Cuidado -exclamó-. Se va a caer.
-Nada más quiero verla -murmuró el forastero.
-Ah, bueno -dijo ella-. Pero tenga cuidado, que esas tejas están podridas. 
El rostro del forastero tenía una dolorosa expresión de estupor, y parecía batallar sordamente contra sus impulsos primarios para no disipar el espejismo. Remedios, la bella, pensó que estaba sufriendo con el temor de que se rompieran las tejas, y se bañó más de prisa que de costumbre para que el hombre no siguiera en peligro. Mientras se echaba agua de la alberca, le dijo que era un problema que el techo estuviera en ese estado, pues ella creía que la cama de hojas podridas por la lluvia era lo que llenaba el baño de alacranes. El forastero confundió aquella cháchara con una forma de disimular la complacencia, de modo que cuando ella empezó a jabonarse cedió a la tentación de dar un paso adelante.
-Déjeme jabonarla -murmuró.
-Le agradezco la buena intención -dijo ella-, pero me basto con mis dos manos.
-Aunque sea la espalda -suplicó el forastero.
-Sería una ociosidad -dijo ella-. Nunca se ha visto que la gente se jabone la espalda.
Después, mientras se secaba, el forastero le suplicó con los ojos llenos de lágrimas que se casara con él. Ella le contestó sinceramente que nunca se casaría con un hombre tan simple que perdía casi una hora, y hasta se quedaba sin almorzar, sólo por ver bañarse a una mujer. Al final, cuando se puso el balandrán, el hombre no pudo soportar la comprobación de que en efecto no se ponía nada debajo, como todo el mundo sospechaba, y se sintió marcado para siempre con el hierro ardiente de aquel secreto. Entonces quitó dos tejas más para descolgarse en el interior del baño. 
-Está muy alto -lo previno ella, asustada-. ¡Se va a matar! Las tejas podridas se despedazaron en un estrépito de desastre, y el hombre apenas alcanzó a lanzar un grito de terror, y se rompió el cráneo y murió sin agonía en el piso de cemento. Los forasteros que oyeron el estropicio en el comedor, y se apresuraron a llevarse el cadáver, percibieron en su piel el sofocante olor de Remedios, la bella. Estaba tan compenetrado con El cuerpo, que las grietas del cráneo no manaban sangre sino un aceite ambarino impregnado de aquel perfume secreto, y entonces comprendieron que el olor de Remedios, la bella, seguía torturando a los hombres más allá de la muerte, hasta el polvo de sus huesos. Sin embargo, no relacionaron aquel accidente de horror con los otros dos hombres que habían muerto por Remedios, la bella.

Desde que el grupo de amigas entró a la plantación, el aire se impregnó de una fragancia mortal. Los hombres que trabajaban en las zanjas se sintieron poseídos por una rara fascinación, amenazados por un peligro invisible, y muchos sucumbieron a los terribles deseos de llorar. Remedios, la bella, y, sus espantadas amigas, lograron refugiarse en una casa próxima cuando estaban a punto de ser asaltadas por un tropel de machos feroces. Poco después fueron rescatadas por los cuatro Aurelianos, cuyas cruces de ceniza infundían un respeto sagrado, como si fueran una marca de casta, un sello de invulnerabilidad. Remedios, la bella, no le contó a nadie que uno de los hombres, aprovechando el tumulto, le alcanzó a agredir El vientre con una mano que más bien parecía una garra de águila aferrándose al borde de un precipicio. Ella se enfrentó al agresor en una especie de deslumbramiento instantáneo, y vio los ojos desconsolados que quedaron impresos en su corazón como una brasa de lástima. Esa noche, el hombre se jactó de su audacia y presumió de su suerte en la Calle de los Turcos, minutos antes de que la patada de un caballo le destrozara el pecho, y una muchedumbre de forasteros lo viera agonizar en mitad de la calle, ahogándose en vómitos de sangre.
La suposición de que Remedios, la bella, poseía poderes de muerte, estaba entonces sustentada por cuatro hechos irrebatibles. Aunque algunos hombres ligeros de palabra se complacían en decir que bien valía sacrificar la vida por una noche de amor con tan conturbadora mujer, la verdad fue que ninguno hizo esfuerzos por conseguirlo. Tal vez, no sólo para rendirla sino también para conjurar sus peligros, habría bastado con un sentimiento tan primitivo y simple como el amor, pero eso fue lo único que no se le ocurrió a nadie.

Lá em cima teve o carinha que ficou vendo Remedios tomar banho e caiu do telhado. E teve também uma referência a um perfume superior. A lenda de que Remedios Buendía não exalava o sopro de amor mas sim um fluxo mortal. O efeito desse perfume foi o mesmo nos homens que trabalhavam na valas, pois eles foram possuídos por uma estranha fascinação, ameaçados por um perigo invisível, e muitos sucumbiram à terrível vontade de chorar! Nossa! O exagero do exagero para poder descrever essa beleza quase cruel. A bela e a morte.
Teve também o homem que agrediu Remedios no ventre. Nessa mesma noite o cara que agrediu Remedios estava se achando na Rua dos Turcos, minutos antes de que o coice de um cavalo lhe arrebentasse o peito e ficou agonizando na rua, sufocado pelo próprio vômito de sangue.
A suposição de que Remedios, a bela, possuía poderes de morte estava agora sustentada por quatro fatos irrefutáveis. Sim, uma piada do narrador para aliviar essa tensão diabólica gerada pelos poderes místicos de Remedios. Que na verdade não existem.
Os quatro caras que morreram por causa de Remedios não foram afetados por nenhum tipo de poder mágico. O que é irrefutável ao analisar estes quatro homens é que eles eram simplesmente tolos. O jovem comandante da guarda morreu por não conseguir interpretar as próprias emoções.
O outro morreu porque foi se arriscar em cima de um telhado velho e perigoso, para ter o prazer banal de ver Remedios banhar-se. O outro forasteiro seguiu o caminho do jovem comandante e foi até um pouco mais além na sua paixão sem sentido. O último levou um coice no peito, bem feito, mereceu por ter agredido a menina, mas não foi Remedios quem possuiu o cavalo para assassinar o agressor.


C. H. Barbosa - Remedios, a bela (versão resumida) 

Tuesday, 9 January 2018

9 de Janeiro de 2018

Nota do Editor 


Opa! Olá prezado leitor deste conteúdo. Espero não estar falando com meus próprios botões, pois as estatísticas me dizem que há uma certa frequência de acesso deste blog: Em regiões do Alaska, da Sibéria, alguns postos na Lituânia, Estônia, República Checa, e alguns lugares do Brasil. Enfim. 
Acredito definitivamente não estar falando com o editor de texto. E como esse tipo de gente que vem aqui ler as coisas volta com frequência, imagino que faz sentido o que estou falando. 
Uau que digressão! Depois de tanto tempo sem escrever acho que desaprendi o pouco que sabia. Não consigo escrever corretamente nem em português ultimamente, quiça inglês. A verdade é que um autor pode reavaliar seus objetivos como criador e como criatura. E tentar escrever um texto com sentido, com começo, meio e fim? Depois falamos disso. 
Já faz algum tempo que estou reavaliando minha postura ética dentro desse trabalho. E como o assunto chegou até o limiar da ética, queria novamente desdobrar outra digressão para falar o que penso a respeito dessa palavra, ética. 
É verdade que nos últimos anos aprendi muita coisa escrevendo. Contudo, nem sempre escrevi com ética. Muitas vezes usei este material para escrever textos com a clara intenção de ofender e humilhar outras pessoas. Porque estava magoado, como se isso pudesse justificar a irresponsabilidade textual. 
Sim, eu prometi a mim mesmo que iria estabelecer um compromisso com meus textos. E passei a estipular objetivos e metas a serem cumpridos. Ano passado não cumpri nem a metade das propostas de analisar a Eneida. Esse ano quero fazer diferente e melhor do que 2017.
Mas eu não posso simplesmente continuar. Pessoas ficaram ofendidas de verdade com coisas que eu andei escrevendo por aqui. E justamente. Acho possível também que esta ou mais pessoas nunca mais me perdoem nem queiram me ver pintado de ouro. Acho justo também. Mas independente da vontade de cada um, um autor que se propõe ser ético, e escrever com ética, não pode deixar o passado de lado.
Por isso peço desculpas a todos e todas que porventura tenham se ofendido com imagens, palavras, textos, insinuações, metáforas, apologias, crônicas de mau gosto, contos pérfidos e diálogos grotescos. Sinto muito mesmo e garanto que doravante esse tipo de situação constrangedora não irá afetar as pessoas vítimas do meu pretérito extremismo verbal.
Até porque para se escrever um texto, ética e extremismo verbal não combinam. Sei lá, é tipo ir pro cinema e comer churrasco de costela de porco ao invés de pipoca. Não vou implorar por perdão, mas seria bacana se a partir do momento em que eu reconheço meu erro e peço desculpas que uma aceitação fosse cabível. Eu espero, mas se não rolar tudo bem. Continuarei vivendo no mundo das punições perpétuas e tentando fazer meu melhor sem prejudicar ninguém. Porque foi bem feio o que eu fiz. 
Eu ainda sou muito jovem e estou em fase de aprendizado. E há alguns anos, eu não era jovem, era uma criança barbada com postura de revoltado. Eu fico envergonhado de olhar para trás e ver como eu era estúpido. Devo ser um tanto bruto ainda, apesar de me esforçar para tentar ser um humano mais digno. Eu fiquei com tanta vergonha pelas coisas que escrevi que pensei até em me matar. Mas sou covarde até pra esse tipo de coisa. Porque realmente, olha, eu não sei onde enfiar a cara. 
O que aprendi afinal? Aprendi que respeito e responsabilidade são as chaves para uma postura ética. E a ética é a chave para o sucesso em qualquer área. Dito isso, que fique claro que não pretendo jamais quebrar as regras do fair-play do mundo textual. De coração e alma, sinto muito. Agora vamos tratar de outros limites. 
Há limites e tem horas que qualquer um fica saturado. Recentemente uma amiga me disse que escrevo num tom muito "professoral". Eu gostei da crítica dela e daqui pra frente vou tentar escrever de um modo mais coloquial, sem aquela coisa toda do mundo acadêmico. Até porque eu nem sou um acadêmico. Há um limite para se escrever de tal e qual modo. Cansei de escrever daquele jeito, representando algo que eu estou longe de ser (um acadêmico). Escrever como se fala eis o ponto!
Era um preceito que eu já havia tentado aplicar mas de forma errada. Aquele do Cervantes, "Escribo como hablo", escrevo como eu falo, que é simplesmente incrível no Don Quixote, a fluência verbal da prosa desse livro parece com qualquer um falando coloquialmente nos dias de hoje, assim, coloquialmente com uma certa porcentagem de acertos gramaticais além daqueles esperados pela língua falada. (esqueci que havia falado disso no parágrafo anterior). 
Enfim. Enfim, enfim. Chega de enfins, porque agora é hora de colocar a mão na massa. Não tenho muitas ambições textuais para 2018 mas alguma coisa vai surgir assim, de improviso, algum texto curto tipo "O Cartaz" publicado ano passado, isso com certeza. Agora em relação aos épicos vou parar um tempo porque isso tem reduzido bastante a audiência. Acho que os clássicos não são tão agradáveis assim. E há limites...
Mas, todavia, contudo, embora, portanto, não obstante, hei de publicar agora lá pelo dia 24 de Janeiro de 2018 um pequeno ensaio sobre a obra "Cem anos de solidão" de Mario Vargas Llosa. Vai ser bem legal e eu vou discutir uma personagem bem bacana chamada "Remédios, a bela". E se possível tentar ver essa personagem a partir do escopo deste blog, que é Kalon Kakon. Não sei se fui bem claro no que eu queria dizer, mas em breve o texto estará disponível. O que eu quero dizer é, se a personagem "Remédios, a bela" se enquadra num esteriótipo literário de kalon kakonia, se é que essa palavra existe! 
Duas considerações antes de encerrar: Eu sei que o autor de "Cem anos de Solidão" é Gabriel García Marquez, só queria testar sua atenção como leitor. E outra é porque me perguntaram sobre o porque de postar as coisas sempre dia 24. Bem...
Eu vou explicar e espero não me embaraçar todo, e juntos, você comigo embaraçados. Não, é um assunto delicado que me deixa meio envergonhado também, mas a verdade é que eu sou meio místico e simbólico com números. Espera, acho que dia 24 de Janeiro de 2011 foi a data em que escrevi o primeiro texto (texto horrível, desprezível) desta espelunca. Não, desculpe, acho que foi outra data, a questão mesmo é que 2 + 4 = 6. Certo? Não sou bom em matemática, nunca é demais verificar...
Seis é o número do mês do meu aniversário que é em Junho. Pois é também é metade de 12 que são o número de meses no ano. Meia duzia, acho um número legal assim pra apostar na mega sena, em loteria, jogo do bicho. Enfim, talvez não exista uma explicação lógica para o fato deu preferir publicar textos nos dias vinte e quatros. Tá certo essa frase? São dias "vintes e quatros" ou "vinte quatros" ou ainda outra coisa? Estou aberto a ouvir correções, sugestões, desabafos, angústias e até ouvir ofensas em silêncio pois eu mereço me lascar um pouco na vida pra aprender a ser gente.

Obrigado pela sua atenção;


Carlos Henrique Barbosa
Autor, Editor, Revisor e Vagabundo Profissional