Prefácio
Notamos
na mitologia antiga que uma esposa, quando alienada da condição de uma própria
filha comete homicídio doloso contra o marido. Agamemnon, rei de Micenas, tinha
ambição de tomar o império do rei Príamo, do outro lado do Mar Egeu.
Agamemnon
consultou o oráculo que lhe informou a respeito da guerra e do sacrifico de sua
filha Ifigênia para obter o resultado esperado. Ao retornar de Ilíon, Agamemnon
é assassinado por sua esposa. Em legítima defesa.
Porque se o marido conseguiu ser frio o suficiente para sacrificar a própria filha em favor de uma atitude egoística de tomada de território, sem o consentimento da mãe, Clitemnestra jamais poderia se sentir segura ao lado de Agamemnon, sabendo que nesta relação o marido conjura mais poderes e influências do que a esposa e poderia usar contra ela. Apesar de Agamemnon ter atacado Clitemnestra indiretamente (assassinou a própria filha em um ritual macabro para o deus da Guerra), o rei de Micenas atacou o coração materno na parte onde mais poderia doer retirando Ifigênia do seio da mãe e deixando a mãe às migalhas emocionais ao ter que sobreviver.
A
questão sobre o valor da vida humana é inquestionável. E a pergunta que o
direito sempre deve refletir sobre é se Elize Matsunaga cometeu um crime, e não
se ela é culpada ou inocente. Culpados todos nós somos, e isso não presume
responsabilidade criminal.
Não
há dúvidas que o homicídio é um crime hediondo. Entretanto, quais as
circuntâncias que levaram a este homicídio é o que deve ser caracterizado como
forma processual.
A
substância do processo criminal deve conter a verdade histórica e humana inseridas
de modo que possamos qualificar Elize Matsunaga dentro do código penal e
estipular uma sentença adequada ao caso e que não privasse a mãe do contato com
a filha.
E
devemos refletir sobre a alteridade, sobre a vida do outro. Em outras
circunstâncias o júri teria agido da mesma forma? Se Marcos Kitano Matsunaga
assassinasse Elize Matsunaga dentro de sua residência, ele teria pego uma pena
tão grande?
Marcos
Kitano Matsunaga é um homem rico, privilegiado em contrapartida em uma relação
onde sua esposa não usufrui do mesmo poder financeiro e privilégios do marido.
A senhora Matsunaga sofreu ameaça de internação em clínica para tratamento
psiquiátrico, e conseqüente alienação da própria filha.
Se
você fosse uma mãe, como você reagiria no lugar da senhora Matsunaga? Sabendo
que o marido pode matá-la, ou aliená-la da sociedade a qualquer instante pelo
pressuposto do privilégio social do homem rico em detrimento do homem pobre?
Sabemos
que no Brasil existe uma constituição para a elite e outra constituição para as classes menos favorecidas
socialmente. E é isto que vamos analisar.
Introdução
Sim, uma minissérie bem popular na Netflix (Once upon a crime, 2021 https://www.netflix.com/title/81043160). A história da mulher que assassina o marido. Não obstante, esta é uma história real. Vamos observar os fatos com um pouco de senso crítico e descobrir ipso facto se a nossa personagem, a senhora Elize Matsunaga é uma heroína ou uma vilã.
O
objetivo é tratar desta personagem histórica do cotidiano brasileiro que
representa muitas mulheres em condição de opressão familiar e que não podem
reagir porque o marido usufrui de poderes no limite do Estado de Exceção. Elize
Matsunaga era casada e em situação de desvantagem sócio-econômica frente a seu
marido Marcos Kitano Matsunaga.
Mésalliance
A
Senhora Elize Matsunaga e o Senhor Marcos Matsunaga se conheceram no ano de
2004, por meio de um site de relacionamentos. A vida do casal era harmoniosa até
meados do ano de 2010, quando Elize desconfiou que estivesse sendo traída —
porém, a gravidez dela, no mesmo ano, fez com que a desconfiança fosse
momentaneamente deixada de lado.
Com
o passar do tempo, o casal começa a brigar frequentemente, conforme as suspeitas
de Elize aumentam. Preocupada em estar sendo traída, a senhora Matsunaga
viaja para o Paraná e contrata um detetive particular para espionar o marido.
Rapidamente, ela descobre que Marcos jantou com uma amante em um restaurante
luxuoso em São Paulo e passou a noite com ela no hotel Mercure, na Vila Olímpia. (https://www.google.com/travel/hotels/s/mEKcZ) Ao
descobrir sobre o encontro, ela volta para casa em 19 de maio de 2012, no dia
em que ela cometeria o crime em legitima
defesa.
A
senhora Matsunaga tinha toda evidência material necessária para incriminar o
marido, fotos e vídeos oriundos do detetive particular contratado por ela.
De
volta a São Paulo, Elize, a filha do casal — que tinha um ano na época — e a
babá da criança foram buscadas no aeroporto. Ao chegar a casa, a profissional
foi dispensada e o casal iniciou uma briga quando Elize questionou Marcos sobre
a traição, afirmando que não aceitaria esse tipo de comportamento.
Esse
erro tático prova que a senhora Matsunaga não premeditou o crime. Se a intenção
dela fosse a de extorquir o marido, ela poderia ter tentado isso de diversas
outras formas. Lembrando que não é só isso, a senhora Matsunaga é formada em
Enfermagem e em Direito.
O
que aconteceu durante essa discussão do casal poderia mudar completamente a
decisão do júri. E da população brasileira. Elize Matsunaga acreditou ter
alguma vantagem por possuir evidência material contra o marido.
Contudo, o senhor Marcos Kitano Matsunaga era uma pessoa provida de poderes divinos no âmbito financeiro. Quando a esposa o ameaçou com as evidências contra ele, de que não haveria mais como ele esconder a infidelidade conjugal, Marcos Kitano Matsunaga apelou para seus poderes olímpicos.
Com a abordagem da esposa, o empresário se enfureceu, a insultou e lhe deu um tapa no rosto (Foto 4/38 Laudo do Instituto de Criminalística http://glo.bo/PD8LuS). Além das repetidas injúrias verbais e físicas, ele ironiza o passado da senhora Matsunaga. Marcos Matsunaga ameaça tirar a guarda da filha e desaparecer com a criança. Além disso, Marcos Matsunaga estava planejando, juntamente com o padre que realizara o casamento, a internação compulsória da senhora Matsunaga em uma instituição de apoio psicossocial privada. Enquanto o homem proferia tais palavras, ela notou que ele estava perto de uma arma de fogo — já que ambos tinham posse liberada — e, temendo que Marcos a usasse, ela pegou outra e apontou para ele. Segundo o seu depoimento à polícia, a intenção inicial dela era apenas intimidar o marido.
"Judicium"
Processo: C.569/12 - 5ª
Vara do Júri da Capital
[(...)
nesta cidade (São Paulo) e comarca, teria, com ânimo homicida, matado o seu
marido MARCOS KITANO MATSUNAGA, fazendo-o por motivo torpe, mediante recurso
que impossibilitou a defesa do ofendido e com meio cruel, bem como teria, também,
destruído e ocultado o respectivo cadáver.
Quanto ao crime doloso
contra a vida.
Em
que pese o comportamento da vítima (envolvendo traição conjugal) e os autos darem
conta de que Elize é boa mãe, sendo também polida no trato com as pessoas em
geral, a acusada veio a trocar o cano da pistola com a qual atirara em Marcos,
bem como a livrar-se do computador com o qual, passando-se falsamente pelo
ofendido, enviou mensagens a outrem, informando que ele estava bem (portanto
vivo), assim posando de esposa abandonada pelo marido que teria deixado o lar
conjugal, tendo - ainda - se desvencilhado do instrumento com o qual
esquartejou o corpo da vítima, também espalhando suas partes em local distante
do lugar do cometimento ilícito, cuja prática culminou por confessar
(apresentando, no entanto, a sua versão defensiva) tão só dias depois do
episódio criminoso, quando as investigações já convergiam contra ela, cuja
dinâmica, na esteira do "veredictum"
do Conselho de Sentença, aponta cuidar-se de prática revestida de cuidadosa
premeditação, reveladora de uma personalidade fria e manipuladora e, portanto,
extremamente perigosa.
COMENTÁRIO: (Elize Matsunaga deveria
ser orientada apenas por oficiais femininas. Deveria ser uma delegada,
especializada em assuntos da mulher que estaria à frente das investigações.
Deveria ser uma juíza. E o Estado deveria apresentar uma promotora na frente da
acusação.
A senhora Matsunaga
nunca foi uma pessoa fria e manipuladora e o crime que ela cometeu não tem
qualquer indício de premeditação. Ela sabia que se matasse o esposo estaria em
condição muito ruim perante à sociedade.
As atitudes tomadas pela
senhora Matsunaga são indício de desespero, uma pessoa que não sabe o que
fazer, porque não premeditou o assassinato, resolve simplesmente se livrar da
evidência, porque nesta hora Elize Matsunaga estava dominada por adrenalina e
medo correndo dentro de suas veias, e foi o medo quem tomou a decisão de
ocultar o cadáver.)
Aliás,
também é dos autos que Elize não é pessoa de parcos recursos intelectuais. Contrariamente,
apesar da origem humilde, além de ter frequentado curso de enfermagem
(completando-o), formou-se em curso superior em Ciências Jurídicas e Sociais
(Direito), vivendo, ainda, nababescamente depois de casada justamente com o
ofendido, já que, no dizer dos autos, então, tratada "como uma
Princesa".
COMENTÁRIO: (Quer dizer, que por ser
uma moça formada ela jamais poderia ter matado o esposo. Que o fato dela
possuir dupla graduação intensifica, aos olhos da sociedade, a frieza dessa mãe
desesperada que infelizmente não teve a frieza necessária para tentar convencer
o marido a não interná-la e não deixá-la longe da criança.
Apesar de origem “humilde”
ela passou a viver “nababescamente” depois de casada, como uma Princesa. Esse
tipo de comentário serve apenas para representar o ódio do júri e do próprio
Juiz que teoricamente escreveu este texto.
Ou seja, Elize Matsunaga
era uma mulher pobre que passou a ter uma vida de princesa, com muita
opulência. Contudo, a senhora Matsunaga nunca teve uma situação de isonomia com
o marido, e vivia sob constantes ameaças contra a dignidade, contra o corpo,
contra a vida.
Portanto, aos olhos da sociedade, a senhora Matsunaga é uma ingrata, por ser pobre e depois ter tanto luxo e matar a pessoa que lhe deu tudo isso.
Devemos sempre refletir
e nos perguntar: o que teria acontecido na recíproca? E se Marcos Kitano
Matsunaga tivesse assassinado a esposa dentro de casa? Qual seria a longitude
de sua pena?)
Efetivamente,
muito embora tenha sido casada com pessoa financeiramente abastada, o foi em
regime parcial de bens, encontrando-se em ininterrupta prisão desde junho de
2012, ou seja, há mais de 4 (quatro) anos. (sem direito a habeas corpus).
Mas não é só.
Não
se trata de situação onde, logo após a prática homicida, a acusada prontamente
se apresentou à polícia para noticiar o ocorrido, esclarecer as suas
circunstâncias e declinar onde se encontrava o corpo da vítima, assim efetivamente
colaborando com a Justiça.
Contrariamente,
é dos autos que a acusada forjou a verdade sobre o acontecido, alegando um
desaparecimento do ofendido que sabia inexistente, vindo a confessar a autoria
delitiva tão só posteriormente às investigações policiais levadas a efeito.
Bem
a propósito, também é dos autos que a ré com veículo tentou distanciar-se desta
capital (onde residia) levando consigo as malas contendo o corpo do marido já
esquartejado, mas também com documento do carro vencido, acabou desistindo de
ir para outro Estado (Paraná).
Nesse
conjunto, nem mesmo a primariedade, bons antecedentes, residência fixa e
ocupação lícita podem na espécie amparar qualquer outra medida cautelar que não
o encarceramento.
Sentença
publicada no Plenário 10 do Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, às
2h8min do dia 5 de dezembro de 2016.
ADILSON PAUKOSKI SIMONI
-Juiz Presidente- ]
Fotos
do laudo do instituto de criminalística na ordem em que constam no documento:
Foto 4/38 Laudo da reconstituição: "Elize
retruca posição de Marcos e acaba sendo agredida fisicamente, levando um tapa
em sua face", conforme descrição do laudo
Foto 8/38 Laudo da reconstituição: Elize
"vai até uma cômoda após o balcão, onde era guardada uma pistola. Elize
disse que era de hábito haver armas guardadas pelo interior do imóvel por medo
de assaltos"; conforme laudo da reconstituição.
Foto 9/38 Laudo da reconstituição: "Elize
pega a arma no interior da gaveta e retorna com a arma em punho", conforme
laudo da reconstituição.
Foto 11/38 Laudo da reconstituição: "Elize
se vira e vê Marcos vindo da sala de jantar; Marcos vem da sala e vê Elize
parada na porta da copa com a arma na mão;", conforme texto do laudo.(foto
do corredor, ressaltar pequena distância entre Elize e Marcos)
Foto 13/38 Laudo da reconstituição: "Marcos
se desloca em direção a Elize, esbravejando e dizendo que ela não teria coragem
de disparar. Elize realiza um disparo de arma de fogo contra Marcos, sem fazer
visada", conforme relato no laudo. (Marcos chega muito próximo a ela)
Foto 14/38 Laudo da reconstituição: "Marcos
tomba em decúbito dorsal em meio ao corredor, de fronte a porta de entrada;
Elize sai da copa, passa pela cozinha e se desloca em direção a sala de
jantar", conforme o laudo.
Carlos Henrique Barbosa: Legítima Defesa
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