Tuesday 1 February 2022

Marie Samuels

Prefácio

O objetivo é refletir sobre o conceito de Doppelgänger em Freud e suas consequentes reações de estranheza com o próprio eu. Ao mesmo passo vamos levar a personagem Marion Crane e seu duplo (Doppelgänger) Marie Samuels ao reconhecimento, ao término do jantar com Norman Bates, de que uma atitude precipitada pode ser uma "loucura", que todos nós podemos ficar "loucos" de vez em quando, ou psicóticos. 

O objetivo desse trabalho é puramente educacional e acadêmico. É uma leitura de filme seca acompanhada de algumas imagens do filme Psicose, de 1960, dirigido por Alfred Hitchcock.

O proprietário dos direitos autorais do filme é o estúdio Paramanout Pictures. De 1960 até 2017 os direitos autorais perteceram ao estúdio. Como estamos em 2022 o filme passa a ser de domínio público nos Estados Unidos da América. Por isso a nota explicativa sobre direitos autorais, pois no Brasil não tenho certeza em relação aos direitos autorais do filme.

Esse ensaio é in memoriam de Alfred Hitchcock e de todos aqueles amigos que já não estão mais presentes. 

Resumo e Psicose-Análise


Em um quarto de hotel em Phoenix em uma tarde de sexta-feira, 11 de Dezembro, às 14h43 minutos, Marion Crane  e seu namorado Sam Loomis, de fora da cidade parecem ter terminado uma relação carnal, ela deitada na cama de sutiã e ele de pé ao lado dela sem camisa pergunta ironicamente se ela não havia almoçado. Marion quer se casar com Sam, mas as dívidas herdadas de seu pai e seus próprios pagamentos de pensão alimentícia não lhe deixam dinheiro suficiente para sustentá-la como gostaria.

Marion Crane se encontra com Sam Loomis durante o horário de almoço no trabalho, e não tem muito tempo para discutir essa relação aparentemente errada entre ambos.

Ela quer casar-se com ele e terminar essa relação de encontros eventuais, ao mesmo tempo ser bem vista pela sociedade. Quando Sam Loomis caçoa de Marion Crane ela levanta-se da cama e vai abotoar sua blusa na frente do espelho. A primeira noção de Doppelgänger aparece aqui. 

Vemos a primeira noção de duplo nessa cena básica, em que ela fala com o namorado enquanto vê o seu outro eu dentro do espelho. O Doppelgänger está presente em muitos momentos durante a narrativa, e neste momento em especial pelo fato do espelho estar de costas para o espectador e de frente para a personagem durante a execução do ato.



Marion Crane quer se casar com Sam Loomis, porém, apesar de trabalhar dez anos como secretária não conseguiu ainda juntar dinheiro suficiente. Loomis por sua vez herdou as dívidas do pai e tem que pagar pensão alimentícia para a ex-mulher. O casal de personagens executam a discussão desse problema financeiro de frente para o espelho, onde podemos ter o duplo de Crane e de Loomis ao mesmo tempo.

A sociedade divide os sujeitos dentro de si mesmos. O sujeito passa a confundir a si mesmo com o objeto. A estranheza com o meio e com a vida torna-se insuportável.

Por fim Crane realiza que está atrasada para o trabalho e aqui encontramos a base para a nossa argumentação sobre o duplo, ou Doppelgänger presente nesta personagem:

A senhorita Crane, nossa heroína,  retorna ao escritório imobiliário onde trabalha como secretária, chegando antes de seu chefe, Sr. Lowery e seu cliente Cassidy, que compra uma casa de Lowery com USD 40.000 dólares em dinheiro. Lowery diz a Marion para colocar o dinheiro no cofre do banco até segunda-feira. Alegando uma dor de cabeça, Marion pede para tirar o resto do dia de folga depois de sua ida ao banco.

Essa dor de cabeça é o primeiro indício do duplo em Marion Crane. O espectador sabe que ela não está com dor de cabeça. De repente, toda aquela situação no escritório imobiliário mudou.

Porque um evento factual que ocorria com certa frequência, os encontros às escondidas com seu namorado durante o horário de almoço, não terminou com um final feliz. Sam Loomis mora longe dela e nenhum deles tem condição de concretizar esse amor de maneira legal. Para que possam ser honrados e aceitos diante da sociedade.

Outro fator que acelera o duplo na nossa heroína é a personagem do arrendatário de petróleo, Cassidy, que compra uma casa na Rua Harris para o casamento da filha com USD 40 mil dólales em dinheiro vivo e não declarado para a receita federal.

Como iremos ver a seguir o arco da personagem Marion Crane é simples, ela é uma secretária honesta, pontual, confia nela mesma é de confiança e trabalha há dez anos no escritório imobiliário do Sr. Lowery.

O arrendatário de petróleo, Sr. Cassidy é um homem com bastante poder, dinheiro e palavras. O Sr. Cassidy diz minha menininha doce, de modo que fizesse com que as secretárias dali achassem que ele estava se referindo a elas. Uma estratégia manipulativa para chamar a atenção.

O Sr. Cassidy acha-se poderoso, e continua o discurso de como ama sua filha que irá se casar e abandoná-lo, senta à mesa da senhorita Crane, e pega uma foto da filha para mostrar para nossa heroína.



Fica evidente que o Sr. Lowery tem algum lucro nessa escritura, e algum lucro ilegal pois ele fica envergonhado quando o Sr. Cassidy diz que a partir de agora ele tem dinheiro para instalar um ar-condicionado no escritório das duas senhoritas.

Cassidy diz que a filha dele tem 18 anos de idade e que a filha dele nunca teve um dia de infelicidade durante toda a vida dela. O que chama a atenção da nossa heroína para o olhar do Sr. Cassidy.

O chefe das moças fica consternado com tamanha evasão do cliente, Tom Cassidy, e o chama para ir conversar a sós, dentro do escritório que tem ar-condicionado. Contudo o cliente acha que tem sempre razão, e por ser rico ele acredita poder assediar a secretária sem quaisquer prejuízos para si mesmo.

Então Tom Cassidy tenta assediar Marion Crane com o argumento de que ele pode subornar a infelicidade. Ou seja, Cassidy percebeu que a senhorita Crane estava chateada por motivos pessoais, e foi assediá-la, tentá-la com sua riqueza.

Um outra maneira de dizer a mesma coisa é “Se a senhorita Crane está triste eu posso subornar a sua tristeza! Eu posso lhe prover dinheiro e acabar com sua infelicidade!” Mas a qual custo esse dinheiro chega? Ao custo da dignidade.

O Sr. Cassidy insiste no assédio e pergunta a Marion Crane, na maior cara de pau se ela está infeliz. Ela abaixa o olhar pensativa, sem saber o que ou como responder uma pessoa tão abusiva numa hora dessas.



No final a colega secretária disse que o Sr. Cassidy estava flertando com Marion Crane, porque ele deve ter visto a aliança de casada no dedo de Caroline e não nos dedos da senhorita Crane. O fato de Marion Crane ser solteira garante que qualquer homem possa assediá-la? O que vemos não é uma paquera, mas uma invasão emocional.

Ao perguntar para Crane se ela está infeliz, o Sr. Cassidy sugere que ela se prostitua com ele para acabar com a infelicidade que ela está sentindo.

Vemos que dentro do arco da personagem, o Doppelgänger não surge “do nada”.

Marion Crane não surtou de uma hora para outra, o arco de personagem dela é construído cena a cena. Vemos os elementos sociais que contribuíram para a revolta repentina da senhorita Crane. No começo, ela inventou a dor de cabeça para poder tirar a tarde de folga, e já que é uma funcionária exemplar, com certeza iria conseguir.

Contudo, o Sr. Tom Cassidy mudou a situação completamente e partir daqui temos certeza que o duplo, o outro, o Doppelgänger ou qualquer outra denominação surge.

Reunindo os fatores que deram origem a personagem Marie Samuels, de Los Angeles, Califórnia:

a)    Relação infeliz e instável com seu namorado. Ambos não têm condições financeiras para se casar e Marion Crane está infeliz com atual situação.

b)    O Sr. Tom Cassidy a assedia dentro do escritório durante o horário de trabalho. O Sr. Tom Cassidy tem idade para ser pai de Marion Crane. O Sr. Cassidy insinua que Marion Crane deve se prostituir com ele para acabar com a infelicidade de sua vida.

c)    Tom Cassidy aparece com USD 40 mil dólares, não declarados, dinheiro irregular que ele esconde da receita federal.

 

Sabemos da mudança para o estranhamento quando Marion Crane avisa para seu chefe, Sr. Lowery que após passar no banco irá para casa descansar devido a uma enorme dor de cabeça.

Caroline, sua colega secretária casada, lhe oferece aspirinas. Marion Crane olha com desprezo para as Aspirinas e diz a seguir que não se pobe subornar a infelicidade com comprimidos.

Deduz-se que se pode subornar a infelicidade com dinheiro, como o Sr. Cassidy havia dito há pouco.

Nossa heroína começa a dar sinais de mudança de caráter. Ela sabe que não está com dor de cabeças. Ela sabe que está mentindo para o chefe, que não está indo dormir em casa e sim arrumando suas coisas para ir para Califórnia, onde mora Sam Loomis, amor da vida dela.

As atitudes ilícitas do Sr. Cassidy influenciaram de maneira decisiva a duplicidade da nossa personagem. Se um arrendatário de petróleo pode desviar USD 40 mil dólares da receita federal, porque uma funcionária não pode roubar de outro ladrão?

Lidamos com esse problema da continuidade criminal, ou que uma atitude errada conduz a outra e assim por diante. Enquanto a senhorita Crane se arruma para viajar, e não para dormir como o duplo dela havia dito, vemos a transformação.

Aquela moça confidente e segura de si mesma começa a estremecer ao olhar aqueles 40 mil dólares em cima da cama. Ao observar que sem nenhum tipo de planejamento está enchendo sua mala com roupas para ir viajar.



Ela está deixando de ser Marion Crane, de Phoenix e paulatinamente se tornando Marie Samuels, de Los Angeles.

Marie Samuels é o espelho invertido de tudo aquilo que Marion Crane foi um dia na vida. Honesta, confiável, respeitada.. Marie Samuels é uma ladra apaixonada, impulsiva, mentirosa e por fim, psicótica.

Nesta cena do quarto onde Marie Samuels está se arrumando para viajar, observamos como sua respiração está ofegante, como seu olhar tenta entender quem é essa nova pessoa que ocupa a posição de Marion Crane.

Vemos vários duplos nessa cena, enquanto Marie Samuels se veste, vemos um quadro dela mesma quando era criança por trás dela, vemos um quadro de um homem e uma mulher lado a lado, que são os pais dela e por fim ela vai até o espelho, e não consegue encarar essa nova personagem no espelho, prefere dar as costas para o espelho (Doppelgänger) e olhar para o bolo de dinheiro dentro de um envelope branco em cima da cama.

Vemos com toda a certeza, na hora em que Marie Samuels começa a dirigir que há alguém dentro dela falando com ela. O Doppelgänger refletindo sobre si mesmo, agora Marie Samuels começa a tomar conta da personagem e a usar o metapensamento para inferir o que as outras pessoas vão pensar sobre esse roubo e como Marie Samuels deve reagir para fugir e se esquivar desses problemas.

Dentro da cabeça de Marie Samuels está Sam Loomis, perguntando a ela o que ela está fazendo na Califórnia, porque ela está tão estranha? Enquanto Marie Samuels sonha com seu amado Loomis, o semáforo fecha e o chefe de Marion Crane, Sr. Lowery atravessa a rua e a percebe.



Aqui o medo da personagem fica bem claro. Ele sorri para ela, mas ao mesmo tempo lembra que havia mentido para ele, ao dizer que iria para casa descansar devido a uma  dor de cabeça. O medo dela aumenta ainda mais, pois o Sr. Lowery a reconhece mas a olha com estranheza, como se não fosse mais aquela moça que trabalha por dez anos no escritório e sim uma legítima estranha. A trilha sonora de Bernard Hermann deixa mais do que evidente a tensão provocada por esse medo da outra que na verdade é si mesma.



Marie Samuels é insegura, medrosa, o outro lado, o lado estranho de Marion Crane. Ela apóia a cabeça com a mão, ela morde o próprio dedo, e é surpreendida por um susto ao ter sua mentira exposta na faixa de pedestres. O chefe da imobiliária, Sr. Lowery a notou e percebeu a mudança de caráter pela fisionomia dela e pelo não-ocultamento da mentira de Marie Samuels.

Marie Samuels descreve a sensação de desconforto quando experimentamos algo familiar de repente se tornar estranho.



 

Definimos o duplo, Doppelgänger como  alguém ou algo que é desconcertante como o eu e ainda assim completamente separado dele. Marie Samuels é cheia de medos e paranóias enquanto Marion Crane é segura de si mesma e não precisa mentir/fugir/ocultar para viver.

 Notamos que o Doppelgänger assume a forma de espelhos e sombras na forma que a personagem principal é filmada. Como ela estava vestida de branco até o ato criminoso de roubar o próprio chefe e como vestiu-se com uma cor mais escura quando assumiu a identidade estranha de Marie Samuels.

Marie Samuels morde os lábios, olha para trás suspeita como se o chefe com algum poder mágico a pudesse seguir, ou já tivesse notado sua má intenção.


O Doppelgänger é assustador porque é como o eu e ainda assim ameaçadoramente outro eu.

Saímos de uma moça vestida com cores fracas para uma moça vestida com cores fortes. Saímos de uma cena onde ela estava dirigindo durante o dia e chegamos a uma cena em que ela está dirigindo a noite.



De Phoenix até a Califórnia são aproximadamente 9 horas de carro, em um trajeto de 950 kilometros. Marie Samuels saiu durante a tarde e anoiteceu durante o percurso.

Ela decide parar o carro na beira da estrada e dormir um pouco, já que não encontrou hotel algum por perto. Uma viatura da polícia para atrás do carro da nossa heroína e vai até o vidro do carro e acorda Marie Samuels.

Ela acorda assustada e encara o policial em pânico e tenta ligar o carro para sair.

A partir daí toda a insegurança e incerteza da personagem ficam evidentes. Ela deixa bem claro para o policial que oculta algo, que é suspeita, que algo está fora do normal.

A mesma atitude que ela toma ao decidir trocar de carro. O vendedor, California Charlie fica espantado com a pressa dela, fica espantado ao pedir USD 700 dólares pela troca de carro e ela aceitar sem questionar, o vendedor fica sem palavras quando ela faz o pagamento em dinheiro e saí correndo da loja de carro, deixando o policial, California Charlie e o mecânico da loja de carros estarrecidos.

Na cena em que Marie Samuels conta os 700 dólares no banheiro, temos mais uma cena escura, com o Doppelgänger, o espelho virado para ela no momento de suspense em que ela separa as notas para pagar o vendedor pela troca de carros.

O Doppelgänger intensifica-se enquanto ela dirige em direção a Sam Loomis. Agora ela começa a falar consigo mesma o que o policial teria questionado para California Charlie. Enquanto isso ela morde os lábios, olha para a bolsa no banco do passageiro com o dinheiro roubado, encara a câmera, o telespectador.

Sabemos como o medo leva a paranóia. E como a paranóia leva a psicose. E como uma psicose produz uma psicose ainda maior. Marie Samuels imagina sua colega secretária, Caroline, falando com seu chefe, Sr. Lowery. Sua paranóia tenta configurar toda e qualquer possível saída para esse problema. Fugir, ocultar parece uma boa opção.

Durante esse meta-pensamento de Marie Samuels notamos que quando ela imagina a reação de Tom Cassidy ao roubo do seu dinheiro, e que ele não pode fazer nada legal como chamar a polícia, porque o dinheiro não era declarado.

Marie Samuels imagina Tom Cassidy muito irritado com o roubo e querendo puni-la por isso. Nesse instante, Marie Samuels esboça um sorriso no rosto que confirma a atitude impulsiva que causou o Doppelgänger, e também é reflexo de outro Doppegänger que irá acontecer apenas no final do final com o outro do outro: Se Marie Samuels é o dobro de Marion Crane, Norman Bates é o dobro de Marie Samuels. Quando o Doppelgänger da mãe sorri no final do filme temos a mesma expressão jocosa e irônica do outro eu.



Não esqueçamos que Marie Samuels saiu da loja de carros de California Charlie durante o dia e novamente ela encontra-se perdida em seus meta-pensamentos, dos “quês” que as outras personagens estariam pensando dela, enquanto ela se aprofunda dentro do novo eu, Marie Samuels sorri e entra na estrada noturna e chuvosa.



Durante essa tormenta de água estava muito difícil dirigir. Então ela acaba encontrando o Hotel Bates, com o anúncio de que há vagas disponíveis.

 

Norman Bates, o duplo do duplo (O Doppelgänger do Doppelgänger)

 

Não discutiremos com profundidade a questão do duplo na personagem Norman Bates e seu duplo, sua Mãe. Nossa intenção é estudar o comportamento da nossa heroína, Marie Samuels, durante sua jornada de descoberta da verdade, o que acaba acontecendo com o reconhecimento.

Marie Samuels se dá conta que é uma pessoa estranha ao conhecer Norman Bates, porque ele também é estranho, ele também é dominado por uma personalidade mais forte: sua mãe.

Marion Crane é dominada por Marie Samuels, e apenas o reconhecimento de uma situação opressiva poderia fazer o eu inicial despertar para a realidade e deixar a fantasia de lado.

Ela espera o mensageiro do hotel ajudá-la com um guarda-chuva e para carregar a bagagem, mas não aparece alguém. Marie Samuels decide sair do carro e olhar para um mausoléu, um casa antiga e decadente e na janela da parte de cima da mansão passa uma personagem que parece uma mulher andando da esquerda para a direita, parece ter olhado de soslaio para Marie Samuels lá de cima.

Marie Samuels entra novamente no carro, e buzina algumas vezes para ver se a moça que estava andando no andar de cima poderia descer para ajudá-la a se hospedar.

Acontece que quem sai da mansão antiga é um jovem rapaz que pede desculpas por não ter percebido ela chegar por causa da chuva forte. Quando ambos entram no escritório do hotel fica bem claro a noção do duplo-duplo.

Em certo momento as imagens de Marie Samuels e Norman Bates ficam juntas dentro do espelho, que está perto do balcão do escritório.



Durante a cena em que Marie Samuels pergunta se há vagas o espelho está sempre presente, sempre reafirmando a natureza do duplo na personagem.



Norman Bates explica que ele tem doze cabines e doze vagas disponíveis. Não há ninguém hospedado no hotel porque a administração pública mudou a passagem da rodovia, portanto poucos clientes passam por ali.

Norman Bates também explica que os hospedes do seu hotel só vão parar lá porque se perdem e saem da rodovia principal.

Bates oferece o caderno para ela colocar o nome e o nome da rua onde mora junto com o nome da cidade. Mas ela hesitou no momento de escrever o endereço e Norman Bates disse para ela que apenas o nome da cidade iria bastar. Marie Samuels olha para o jornal dentro da bolsa e decide escrever que é de Los Angeles. Antes, ela enuncia em voz alta, enquanto Norman Bates escolhe a chave da cabine 1, a cabine mais próxima do escritório do hotel.



Quando Norman Bates abre a cabine, ou quarto 1 para Marie Samuels e diz que está abafado lá dentro, há repetidamente o Doppelgänger do espelho, que se reproduz e desdobra de uma cena para outra.



Também há o Doppelgänger da sombra de Norman Bates, enquanto ele caminha para abrir a janela do quarto 1, sua sombra cresce, distorce, muda de forma e é bem visível em um filme preto e branco.

Norman Bates descreve as opções do quarto e mostra ter algum recalque com banheiros, pois não consegue pronunciar a palavra, apenas “ali” (over there).

Quem pronúncia banheiro é Marie Samuels que termina a frase.

Norman Bates então convida Marie Samuels para jantar com ele. Bates afirma que ele mesmo já iria jantar. Observe que durante essa cena Marie Samuels está ao lado do espelho. E Norman Bates à frente dela com sua sombra escura projetada nas costas.

Também observamos uma atitude infantil no comportamento alimentar de Norman Bates, que educadamente quer dizer que não tem nada de especial para o jantar, como macarronada, sopa, o que ele tem para oferecer é apenas sanduíche e leite.

Enquanto Marie Samuels planeja uma forma de esconder o dinheiro dentro do quarto do hotel, embrulhando o dinheiro no jornal que havia comprado na loja de carros de California Charlie, ela ouve a voz de uma mulher mais velha gritando “Não!, Eu disse que não!”.

A mulher neste caso, é a mãe de Norman Bates. A Sra. Bates afirma que não vai permitir que o filho dela traga moças para jantar com ele. Que ela é ciumenta e possessiva. Ela não vai permitir romances e jantares a luz de velas baratas e vulgares. Que jovens como a senhorita Samuels e o filho dela são depravados.

Bates implora para a mãe parar. Mas a Sra. Bates insiste e pergunta o que mais depravado poderia acontecer depois do jantar. Música? Sussuros? O filho explica para a mãe que ela é apenas uma estranha, uma hóspede do hotel, e que ela está com fome e não tem uma lanchonete ou um restaurante por perto.

A mãe, sempre negando todas as atitudes do filho declara que homens não se importam se uma mulher é conhecida ou desconhecida para ter desejos por ela. A mãe se recusa a falar sobre essa coisa nojenta e repugnante que é o sexo.

Observamos que a Sra. Bates tem um tremendo de um bloqueio sexual irreversível contra relações carnais e, além disso, é ciumenta, possessiva, controladora de todas as relações e pensamentos do filho.

A mãe deixa bem claro que Marie Samuels não vai matar a fome dela comendo o filho dela. A ameaça da Sra. Bates é bem real.

Enquanto Marie Samuels tenta ser educada ao dizer para Norman Bates que lhe causou problemas, notamos o Doppelgänger no reflexo de Bates no vidro ao lado da personagem.

Norman Bates explica que sua mãe não é mais ela mesma hoje em dia. Marie Samuels continua sendo educada e diz que ele não deveria ter se incomodado em fazer sanduíche e trazer leite para ela jantar. Ela nem estava com tanta fome assim.

Norman Bates pede desculpas e diz que gostaria de poder se desculpar por outras pessoas, no caso, se desculpar pelo escândalo que a mãe dele fez expondo tanto o filho quanto a hóspede do hotel.

Marie Samuels então decide considerar o trabalho de Bates e decide jantar com ele. Elá faz um gesto corporal que significa um convite para Bates jantar com ela dentro do Quarto 1. 

Outro Doppelgänger bem famoso no cinema ocorre nessa cena em que Bates dá um passo para frente para entrar no hotel e jantar com Samuels, e não obstante dá um passo para trás. Essa cena é interpretada como a natureza de sua duplicidade. O filho quer entrar e jantar com a moça interessante, mas a mãe que o controla não quer isso. O filho dá um passo para  frente. A mãe dá um passo para trás.

Claro que nessa hora ele morreu de medo porque a havia convidado para comer dentro de casa. Mas como a mãe dele já não é ela mesma (estranha), ele dá um passo para trás, fica cabisbaixo, cabismeditado e por fim alega que é melhor eles comerem no escritório. Uma desculpa para não expor a pobre moça à insanidade da Sra. Bates.

E Marie Samuels insinuou, com o movimento corporal, que seria confortável para ela se eles comessem dentro de seu quarto. Então o passo para trás é muito sifnificante porque eles não poderiam jantar dentro da casa da Sra Bates, nem dentro do quarto dela, caso contrário a Sra. Bates iria imaginar coisas nojentas e não sabemos o que a estranheza dela pode resultar em termos de ações emocionais.



Bates alega que não é conveniente se comer no escritório e a convida para comer na recepção.

Aqui temos uma chuva de Doppelgänger ao acender a luz vemos algumas aves empalhadas e Marie Samuels nota a gigantesca coruja empalhada na parede com as asas abertas. E Então um corvo e sua sombra.

São pequenos sinais, pequenos símbolos da morte que começam a despertar o senso de reconhecimento na nossa heroína.

A recepção está repleta de pássaros empalhados. Marie Samuels com sua educação impecável diz que Bates é muito gentil. Ele por sua vez diz não estar com fome.

Então ela pega um pedaço de pão com o garfo, e Bates, sentado no lado oposto da sala de recepção, sorri e comenta que ela come como um passarinho.

É um comentário bem notável em uma sala cheia de pássaros e passarinhos empalhados. Novamente Bates se engasga com uma palavra, dessa vez a palavra “falsidade”. Ele tenta explicar que é uma falsidade o ditado que diz comer igual um passarinho, porque os pássaros comem muito, ou em uma frequência muito alta.

Norman Bates diz não saber nada sobre pássaros, apenas como empalhar. Seu hobby é a taxidermia, a antiga ciência egípcia de embalsamar, mumificar um organismo morto.

Bates odeia ver faces de animais empalhadas, como raposas e chimpanzés por exemplo. Algumas pessoas até empalham cachorros e gatos, mas Bates não aprecia isso. Bates explica que os pássaros ficam bem empalhados porque são passivos.

Primeiro ele associa o ato de comer de Marie Samuels com os hábitos de um pássaro. Agora ele diz que os pássaros são passivos, submissos à morte. Logo Marie Samuels também é passiva. 

Mais a frente Norman Bates diz que empalhar pássaros não é um hobby. Que um hobby é algo que as pessoas fazem para passar o tempo, e o que ele faz é se dedicar integralmente ao empalhamento de aves.

Marie Samuels pergunta se o tempo dele é tão vazio. Bates, recostado na cadeira, com sua sombra por trás diz que administra o escritório, cuida dos quartos, do assoalho, e faz pequenos serviços para a mãe dele. Aqui ele desvia o olhar da interlocutora e olha para o canto superior direito.

Marie Samuels questiona se ele sai com amigos. Bates afirma que o melhor amigo de um rapaz só pode ser a sua própria mãe. Bates revida e diz que Marie Samuels nunca deve ter tido um momento de vazio na vida dela. Com um pouco de agressividade no falar. 

Quando Bates pergunta do que ela está fugindo, a paranóia toma conta dela. Ela pergunta porque ele pergunta esse tipo de coisa. Bates desconversa e diz que as pessoas nunca fogem de nada.

Então Samuels e Bates iniciam uma conversa sobre armadilhas. Samuels diz que as vezes caímos nas próprias armadilhas. Bates confessa que nasceu na armadilha dele. E que ele não se importa mais com isso. Ele não se importa mais com sua mãe/armadilha.

Bates esclarece que a origem de seus problemas é sua mãe.  Bates diz não se importar mais com o fato de ter nascido dentro de uma armadilha. Bates diz que gostaria de poder desafiar a mãe, mas não consegue porque ela está doente.

Bates diz que ela teve que criar ele sozinha depois que o pai dele morreu. Ele tinha apenas cinco anos e imagina como deve ter sido difícil para a Sra Bates. Ela não teve que trabalhar porque o Sr. Bates deixou algum dinheiro para ela criar o filho, algum tipo de pensão ou seguro.

Bates explica que alguns anos atrás a mãe dele conheceu outro homem. Esse homem convenceu a Sra Bates a construir o hotel. E que ele poderia ter convencido a mãe dele a fazer qualquer coisa. E quando esse segundo marido faleceu, foi duplamente chocante para a mãe dele lidar novamente com isso.

O segundo marido deve ter morrido de uma forma horrível. Foi uma perda muito grande e a mãe dele já não tinha mais nada, nem ninguém a não ser o próprio filho, replica Marie Samuels.

Bates diz que um filho é um pobre substituto para um amante. Marie Samuels pergunta porque ele não vai embora. E ele diz que precisa cuidar da mãe dele. Ele não odeia a mãe dele. Ele odeia o que ela se tornou com o passar dos anos. Ele odeia a doença mental da mãe dele.

Marie Samuels sugere internar a mãe dele ao passo que Bates fica altamente ofendido. Bates não consegue imaginar sua mãe internada em uma instituição como uma clínica ou hospício. Agora tanto as palavras quanto o olhar e posição corporal de Bates, inclinado em direção a senhorita Samuels denotam um alto grau de agressividade.

De outra forma o Doppelgänger manifesta-se, desta vez na comparação de sua mãe com os pássaros empalhados. Bates afirma que sua mãe é inofensiva tão quanto um desses pássaros empalhados. Infere-se que se mãe é tão infensa igual um corpo morto, podemos dar um passo a frente e dizer que sua mãe é tão infensa que está morta.

A mãe precisa estar com o filho. Não é como se ela fosse uma maníaca ou uma desvairada. Ela só fica um pouco louca às vezes. Todos nós ficamos um pouco louco às vezes não é? Bates sorri e olha para Marie Samuels.

Neste instante temos certeza do reconhecimento. Bates havia acabado de ficar furioso com Marie Samuels por ela ter sugerido a internação de sua mãe. Então ele reconhece que a mãe tem momentos de lucidez, que fica louca só as vezes. E que todos nós ficamos loucos as vezes.

Marie Samuels encontra Marion Crane neste momento. Marie Samuels é descoberta e expurgada, como um engodo, porque ela ficou um pouco louca, mas ela não é essa pessoa, ela não é assim, nunca foi assim. No final, Marion Crane não quer ser internada em uma instituição, ou ficar presa contra a própria vontade. O reconhecimento do duplo-duplo dela, a fez despertar para o risco que esse roubo pode colocar a sua vida.

Bates pergunta se ela já ficou louca ás vezes e Marie Samuels afima que sim. Que apenas uma vez já é mais do que necessário.

 

Carlos Barbosa - Doppelgänger

 

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