Prefácio
O objetivo é refletir sobre o conceito de Doppelgänger em Freud e suas consequentes reações de estranheza com o próprio eu. Ao mesmo passo vamos levar a personagem Marion Crane e seu duplo (Doppelgänger) Marie Samuels ao reconhecimento, ao término do jantar com Norman Bates, de que uma atitude precipitada pode ser uma "loucura", que todos nós podemos ficar "loucos" de vez em quando, ou psicóticos.
O objetivo desse trabalho é puramente educacional e acadêmico. É uma leitura de filme seca acompanhada de algumas imagens do filme Psicose, de 1960, dirigido por Alfred Hitchcock.
O proprietário dos direitos autorais do filme é o estúdio Paramanout Pictures. De 1960 até 2017 os direitos autorais perteceram ao estúdio. Como estamos em 2022 o filme passa a ser de domínio público nos Estados Unidos da América. Por isso a nota explicativa sobre direitos autorais, pois no Brasil não tenho certeza em relação aos direitos autorais do filme.
Esse ensaio é in memoriam de Alfred Hitchcock e de todos aqueles amigos que já não estão mais presentes.
Resumo e Psicose-Análise
Em um quarto de hotel em Phoenix em uma tarde de sexta-feira, 11 de Dezembro, às 14h43 minutos, Marion Crane e seu namorado Sam Loomis, de fora da cidade parecem ter terminado uma relação carnal, ela deitada na cama de sutiã e ele de pé ao lado dela sem camisa pergunta ironicamente se ela não havia almoçado. Marion quer se casar com Sam, mas as dívidas herdadas de seu pai e seus próprios pagamentos de pensão alimentícia não lhe deixam dinheiro suficiente para sustentá-la como gostaria.
Marion
Crane se encontra com Sam Loomis durante o horário de almoço no trabalho, e não
tem muito tempo para discutir essa relação aparentemente errada entre ambos.
Ela
quer casar-se com ele e terminar essa relação de encontros eventuais, ao mesmo
tempo ser bem vista pela sociedade. Quando Sam Loomis caçoa de Marion Crane ela
levanta-se da cama e vai abotoar sua blusa na frente do espelho. A primeira noção de Doppelgänger aparece aqui.
Vemos
a primeira noção de duplo nessa cena básica, em que ela fala com o namorado
enquanto vê o seu outro eu dentro do espelho. O Doppelgänger está presente em
muitos momentos durante a narrativa, e neste momento em especial pelo fato do
espelho estar de costas para o espectador e de frente para a personagem durante
a execução do ato.
Marion
Crane quer se casar com Sam Loomis, porém, apesar de trabalhar dez anos como
secretária não conseguiu ainda juntar dinheiro suficiente. Loomis por sua vez
herdou as dívidas do pai e tem que pagar pensão alimentícia para a ex-mulher. O
casal de personagens executam a discussão desse problema financeiro de frente
para o espelho, onde podemos ter o duplo de Crane e de Loomis ao mesmo tempo.
A
sociedade divide os sujeitos dentro de si mesmos. O sujeito passa a confundir a
si mesmo com o objeto. A estranheza com o meio e com a vida torna-se
insuportável.
Por
fim Crane realiza que está atrasada para o trabalho e aqui encontramos a base
para a nossa argumentação sobre o duplo, ou Doppelgänger presente nesta
personagem:
A
senhorita Crane, nossa heroína, retorna
ao escritório imobiliário onde trabalha como secretária, chegando antes de seu
chefe, Sr. Lowery e seu cliente Cassidy, que compra uma casa de Lowery com USD 40.000 dólares em dinheiro. Lowery diz a Marion para colocar o dinheiro no cofre do
banco até segunda-feira. Alegando uma dor de cabeça, Marion pede para tirar o
resto do dia de folga depois de sua ida ao banco.
Essa
dor de cabeça é o primeiro indício do duplo em Marion Crane. O espectador sabe
que ela não está com dor de cabeça. De repente, toda aquela situação no
escritório imobiliário mudou.
Porque
um evento factual que ocorria com certa frequência, os encontros às escondidas
com seu namorado durante o horário de almoço, não terminou com um final feliz.
Sam Loomis mora longe dela e nenhum deles tem condição de concretizar esse amor
de maneira legal. Para que possam ser honrados e aceitos diante da sociedade.
Outro
fator que acelera o duplo na nossa heroína é a personagem do arrendatário de
petróleo, Cassidy, que compra uma casa na Rua Harris para o casamento da filha
com USD 40 mil dólales em dinheiro vivo e não declarado para a receita federal.
Como
iremos ver a seguir o arco da personagem Marion Crane é simples, ela é uma
secretária honesta, pontual, confia nela mesma é de confiança e trabalha há dez
anos no escritório imobiliário do Sr. Lowery.
O
arrendatário de petróleo, Sr. Cassidy é um homem com bastante poder, dinheiro e
palavras. O Sr. Cassidy diz minha menininha doce, de modo que fizesse com que
as secretárias dali achassem que ele estava se referindo a elas. Uma estratégia manipulativa para chamar a atenção.
O
Sr. Cassidy acha-se poderoso, e continua o discurso de como ama sua filha que
irá se casar e abandoná-lo, senta à mesa da senhorita Crane, e pega uma foto da
filha para mostrar para nossa heroína.
Fica evidente que o Sr. Lowery tem algum lucro nessa escritura, e algum lucro
ilegal pois ele fica envergonhado quando o Sr. Cassidy diz que a partir de
agora ele tem dinheiro para instalar um ar-condicionado no escritório das duas
senhoritas.
Cassidy
diz que a filha dele tem 18 anos de idade e que a filha dele nunca teve um dia
de infelicidade durante toda a vida dela. O que chama a atenção da nossa
heroína para o olhar do Sr. Cassidy.
O
chefe das moças fica consternado com tamanha evasão do cliente, Tom Cassidy, e
o chama para ir conversar a sós, dentro do escritório que tem ar-condicionado.
Contudo o cliente acha que tem sempre razão, e por ser rico ele acredita poder
assediar a secretária sem quaisquer prejuízos para si mesmo.
Então
Tom Cassidy tenta assediar Marion Crane com o argumento de que ele pode
subornar a infelicidade. Ou seja, Cassidy percebeu que a senhorita Crane estava
chateada por motivos pessoais, e foi assediá-la, tentá-la com sua riqueza.
Um
outra maneira de dizer a mesma coisa é “Se a senhorita Crane está triste eu
posso subornar a sua tristeza! Eu posso lhe prover dinheiro e acabar com sua
infelicidade!” Mas a qual custo esse dinheiro chega? Ao custo da dignidade.
O
Sr. Cassidy insiste no assédio e pergunta a Marion Crane, na maior cara de pau
se ela está infeliz. Ela abaixa o olhar pensativa, sem saber o que ou como
responder uma pessoa tão abusiva numa hora dessas.
No
final a colega secretária disse que o Sr. Cassidy estava flertando com Marion
Crane, porque ele deve ter visto a aliança de casada no dedo de Caroline e não nos dedos da senhorita Crane. O fato de Marion Crane ser solteira garante que qualquer homem possa
assediá-la? O que vemos não é uma paquera, mas uma invasão emocional.
Ao
perguntar para Crane se ela está infeliz, o Sr. Cassidy sugere que ela se
prostitua com ele para acabar com a infelicidade que ela está sentindo.
Vemos
que dentro do arco da personagem, o Doppelgänger não surge “do nada”.
Marion
Crane não surtou de uma hora para outra, o arco de personagem dela é construído
cena a cena. Vemos os elementos sociais que contribuíram para a revolta
repentina da senhorita Crane. No começo, ela inventou a dor de cabeça para
poder tirar a tarde de folga, e já que é uma funcionária exemplar, com certeza
iria conseguir.
Contudo,
o Sr. Tom Cassidy mudou a situação completamente e partir daqui temos certeza
que o duplo, o outro, o Doppelgänger ou qualquer outra denominação surge.
Reunindo
os fatores que deram origem a personagem Marie Samuels, de Los Angeles,
Califórnia:
a) Relação infeliz e instável com seu
namorado. Ambos não têm condições financeiras para se casar e Marion Crane está
infeliz com atual situação.
b) O Sr. Tom Cassidy a assedia dentro do
escritório durante o horário de trabalho. O Sr. Tom Cassidy tem idade para ser
pai de Marion Crane. O Sr. Cassidy insinua que Marion Crane deve se prostituir
com ele para acabar com a infelicidade de sua vida.
c) Tom Cassidy aparece com USD 40 mil
dólares, não declarados, dinheiro irregular que ele esconde da receita federal.
Sabemos da mudança para o
estranhamento quando Marion Crane avisa para seu chefe, Sr. Lowery que após
passar no banco irá para casa descansar devido a uma enorme dor de cabeça.
Caroline, sua colega secretária
casada, lhe oferece aspirinas. Marion Crane olha com desprezo para as Aspirinas
e diz a seguir que não se pobe subornar a infelicidade com comprimidos.
Deduz-se que se pode subornar a
infelicidade com dinheiro, como o Sr. Cassidy havia dito há pouco.
Nossa heroína começa a dar sinais de
mudança de caráter. Ela sabe que não está com dor de cabeças. Ela sabe que está
mentindo para o chefe, que não está indo dormir em casa e sim arrumando suas
coisas para ir para Califórnia, onde mora Sam Loomis, amor da vida dela.
As atitudes ilícitas do Sr. Cassidy
influenciaram de maneira decisiva a duplicidade da nossa personagem. Se um
arrendatário de petróleo pode desviar USD 40 mil dólares da receita federal,
porque uma funcionária não pode roubar de outro ladrão?
Lidamos com esse problema da
continuidade criminal, ou que uma atitude errada conduz a outra e assim por
diante. Enquanto a senhorita Crane se arruma para viajar, e não para dormir
como o duplo dela havia dito, vemos a transformação.
Aquela moça confidente e segura de si
mesma começa a estremecer ao olhar aqueles 40 mil dólares em cima da cama. Ao
observar que sem nenhum tipo de planejamento está enchendo sua mala com roupas
para ir viajar.
Ela está deixando de ser Marion Crane,
de Phoenix e paulatinamente se tornando Marie Samuels, de Los Angeles.
Marie Samuels é o espelho invertido de
tudo aquilo que Marion Crane foi um dia na vida. Honesta, confiável,
respeitada.. Marie Samuels é uma ladra apaixonada, impulsiva, mentirosa e por
fim, psicótica.
Nesta cena do quarto onde Marie
Samuels está se arrumando para viajar, observamos como sua respiração está
ofegante, como seu olhar tenta entender quem é essa nova pessoa que ocupa a
posição de Marion Crane.
Vemos vários duplos nessa cena,
enquanto Marie Samuels se veste, vemos um quadro dela mesma quando era criança
por trás dela, vemos um quadro de um homem e uma mulher lado a lado, que são os
pais dela e por fim ela vai até o espelho, e não consegue encarar essa nova
personagem no espelho, prefere dar as costas para o espelho (Doppelgänger) e
olhar para o bolo de dinheiro dentro de um envelope branco em cima da cama.
Vemos com toda a certeza, na hora em
que Marie Samuels começa a dirigir que há alguém dentro dela falando com ela. O
Doppelgänger refletindo sobre si mesmo, agora Marie Samuels começa a tomar
conta da personagem e a usar o metapensamento para inferir o que as outras
pessoas vão pensar sobre esse roubo e como Marie Samuels deve reagir para fugir
e se esquivar desses problemas.
Dentro da cabeça de Marie Samuels está
Sam Loomis, perguntando a ela o que ela está fazendo na Califórnia, porque ela
está tão estranha? Enquanto Marie Samuels sonha com seu amado Loomis, o
semáforo fecha e o chefe de Marion Crane, Sr. Lowery atravessa a rua e a
percebe.
Aqui o medo da personagem fica bem
claro. Ele sorri para ela, mas ao mesmo tempo lembra que havia mentido para
ele, ao dizer que iria para casa descansar devido a uma dor de cabeça. O medo dela aumenta ainda mais,
pois o Sr. Lowery a reconhece mas a olha com estranheza, como se não fosse mais
aquela moça que trabalha por dez anos no escritório e sim uma legítima
estranha. A trilha sonora de Bernard Hermann deixa mais do que evidente a tensão
provocada por esse medo da outra que na verdade é si mesma.
Marie Samuels é insegura, medrosa, o
outro lado, o lado estranho de Marion Crane. Ela apóia a cabeça com a mão, ela
morde o próprio dedo, e é surpreendida por um susto ao ter sua mentira exposta
na faixa de pedestres. O chefe da imobiliária, Sr. Lowery a notou e percebeu a
mudança de caráter pela fisionomia dela e pelo não-ocultamento da mentira de
Marie Samuels.
Marie Samuels descreve a sensação de
desconforto quando experimentamos algo familiar de repente se tornar estranho.
Definimos o duplo, Doppelgänger como alguém ou algo que é desconcertante como o eu
e ainda assim completamente separado dele. Marie Samuels é cheia de medos e
paranóias enquanto Marion Crane é segura de si mesma e não precisa
mentir/fugir/ocultar para viver.
Marie Samuels morde os lábios, olha
para trás suspeita como se o chefe com algum poder mágico a pudesse seguir, ou
já tivesse notado sua má intenção.
O Doppelgänger é assustador porque é
como o eu e ainda assim ameaçadoramente outro eu.
Saímos de uma moça vestida com cores
fracas para uma moça vestida com cores fortes. Saímos de uma cena onde ela
estava dirigindo durante o dia e chegamos a uma cena em que ela está dirigindo
a noite.
De Phoenix até a Califórnia são
aproximadamente 9 horas de carro, em um trajeto de 950 kilometros. Marie
Samuels saiu durante a tarde e anoiteceu durante o percurso.
Ela decide parar o carro na beira da
estrada e dormir um pouco, já que não encontrou hotel algum por perto. Uma
viatura da polícia para atrás do carro da nossa heroína e vai até o vidro do
carro e acorda Marie Samuels.
Ela acorda assustada e encara o
policial em pânico e tenta ligar o carro para sair.
A partir daí toda a insegurança e
incerteza da personagem ficam evidentes. Ela deixa bem claro para o policial
que oculta algo, que é suspeita, que algo está fora do normal.
A mesma atitude que ela toma ao
decidir trocar de carro. O vendedor, California Charlie fica espantado com a
pressa dela, fica espantado ao pedir USD 700 dólares pela troca de carro e ela
aceitar sem questionar, o vendedor fica sem palavras quando ela faz o pagamento
em dinheiro e saí correndo da loja de carro, deixando o policial, California
Charlie e o mecânico da loja de carros estarrecidos.
Na cena em que Marie Samuels conta os
700 dólares no banheiro, temos mais uma cena escura, com o Doppelgänger, o
espelho virado para ela no momento de suspense em que ela separa as notas para
pagar o vendedor pela troca de carros.
O Doppelgänger intensifica-se enquanto
ela dirige em direção a Sam Loomis. Agora ela começa a falar consigo mesma o
que o policial teria questionado para California Charlie. Enquanto isso ela
morde os lábios, olha para a bolsa no banco do passageiro com o dinheiro
roubado, encara a câmera, o telespectador.
Sabemos como o medo leva a paranóia. E
como a paranóia leva a psicose. E como uma psicose produz uma psicose ainda
maior. Marie Samuels imagina sua colega secretária, Caroline, falando com seu
chefe, Sr. Lowery. Sua paranóia tenta configurar toda e qualquer possível saída
para esse problema. Fugir, ocultar parece uma boa opção.
Durante esse meta-pensamento de Marie
Samuels notamos que quando ela imagina a reação de Tom Cassidy ao roubo do seu
dinheiro, e que ele não pode fazer nada legal como chamar a polícia, porque o
dinheiro não era declarado.
Marie Samuels imagina Tom Cassidy
muito irritado com o roubo e querendo puni-la por isso. Nesse instante, Marie
Samuels esboça um sorriso no rosto que confirma a atitude impulsiva que causou
o Doppelgänger, e também é reflexo de outro Doppegänger que irá acontecer
apenas no final do final com o outro do outro: Se Marie Samuels é o dobro de
Marion Crane, Norman Bates é o dobro de Marie Samuels. Quando o Doppelgänger da
mãe sorri no final do filme temos a mesma expressão jocosa e irônica do outro
eu.
Não esqueçamos que Marie Samuels saiu
da loja de carros de California Charlie durante o dia e novamente ela
encontra-se perdida em seus meta-pensamentos, dos “quês” que as outras
personagens estariam pensando dela, enquanto ela se aprofunda dentro do novo
eu, Marie Samuels sorri e entra na estrada noturna e chuvosa.
Durante essa tormenta de água estava
muito difícil dirigir. Então ela acaba encontrando o Hotel Bates, com o anúncio
de que há vagas disponíveis.
Norman Bates, o duplo do duplo (O
Doppelgänger do Doppelgänger)
Não discutiremos com profundidade a
questão do duplo na personagem Norman Bates e seu duplo, sua Mãe. Nossa
intenção é estudar o comportamento da nossa heroína, Marie Samuels, durante sua
jornada de descoberta da verdade, o que acaba acontecendo com o reconhecimento.
Marie Samuels se dá conta que é uma
pessoa estranha ao conhecer Norman Bates, porque ele também é estranho, ele
também é dominado por uma personalidade mais forte: sua mãe.
Marion Crane é dominada por Marie
Samuels, e apenas o reconhecimento de uma situação opressiva poderia fazer o eu inicial
despertar para a realidade e deixar a fantasia de lado.
Ela espera o mensageiro do hotel ajudá-la
com um guarda-chuva e para carregar a bagagem, mas não aparece alguém. Marie
Samuels decide sair do carro e olhar para um mausoléu, um casa antiga e
decadente e na janela da parte de cima da mansão passa uma personagem que
parece uma mulher andando da esquerda para a direita, parece ter olhado de
soslaio para Marie Samuels lá de cima.
Marie Samuels entra novamente no
carro, e buzina algumas vezes para ver se a moça que estava andando no andar de
cima poderia descer para ajudá-la a se hospedar.
Acontece que quem sai da mansão antiga
é um jovem rapaz que pede desculpas por não ter percebido ela chegar por causa
da chuva forte. Quando ambos entram no escritório do hotel fica bem claro a
noção do duplo-duplo.
Em certo momento as imagens de Marie
Samuels e Norman Bates ficam juntas dentro do espelho, que está perto do balcão
do escritório.
Durante a cena em que Marie Samuels
pergunta se há vagas o espelho está sempre presente, sempre reafirmando a
natureza do duplo na personagem.
Norman Bates explica que ele tem doze
cabines e doze vagas disponíveis. Não há ninguém hospedado no hotel porque a
administração pública mudou a passagem da rodovia, portanto poucos clientes
passam por ali.
Norman Bates também explica que os
hospedes do seu hotel só vão parar lá porque se perdem e saem da rodovia
principal.
Bates oferece o caderno para ela
colocar o nome e o nome da rua onde mora junto com o nome da cidade. Mas ela
hesitou no momento de escrever o endereço e Norman Bates disse para ela que
apenas o nome da cidade iria bastar. Marie Samuels olha para o jornal dentro da
bolsa e decide escrever que é de Los Angeles. Antes, ela enuncia em voz alta,
enquanto Norman Bates escolhe a chave da cabine 1, a cabine mais próxima do
escritório do hotel.
Quando Norman Bates abre a cabine, ou
quarto 1 para Marie Samuels e diz que está abafado lá dentro, há repetidamente
o Doppelgänger do espelho, que se reproduz e desdobra de uma cena para outra.
Também há o Doppelgänger da sombra de
Norman Bates, enquanto ele caminha para abrir a janela do quarto 1, sua sombra
cresce, distorce, muda de forma e é bem visível em um filme preto e branco.
Norman Bates descreve as opções do
quarto e mostra ter algum recalque com banheiros, pois não consegue pronunciar
a palavra, apenas “ali” (over there).
Quem pronúncia banheiro é Marie
Samuels que termina a frase.
Norman Bates então convida Marie
Samuels para jantar com ele. Bates afirma que ele mesmo já iria jantar. Observe
que durante essa cena Marie Samuels está ao lado do espelho. E Norman Bates à
frente dela com sua sombra escura projetada nas costas.
Também observamos uma atitude infantil
no comportamento alimentar de Norman Bates, que educadamente quer dizer que não
tem nada de especial para o jantar, como macarronada, sopa, o que ele tem para
oferecer é apenas sanduíche e leite.
Enquanto Marie Samuels planeja uma
forma de esconder o dinheiro dentro do quarto do hotel, embrulhando o dinheiro
no jornal que havia comprado na loja de carros de California Charlie, ela ouve
a voz de uma mulher mais velha gritando “Não!, Eu disse que não!”.
A mulher neste caso, é a mãe de Norman
Bates. A Sra. Bates afirma que não vai permitir que o filho dela traga moças
para jantar com ele. Que ela é ciumenta e possessiva. Ela não vai permitir
romances e jantares a luz de velas baratas e vulgares. Que jovens como a
senhorita Samuels e o filho dela são depravados.
Bates implora para a mãe parar. Mas a
Sra. Bates insiste e pergunta o que mais depravado poderia acontecer depois do
jantar. Música? Sussuros? O filho explica para a mãe que ela é apenas uma
estranha, uma hóspede do hotel, e que ela está com fome e não tem uma
lanchonete ou um restaurante por perto.
A mãe, sempre negando todas as
atitudes do filho declara que homens não se importam se uma mulher é conhecida
ou desconhecida para ter desejos por ela. A mãe se recusa a falar sobre essa
coisa nojenta e repugnante que é o sexo.
Observamos que a Sra. Bates tem um
tremendo de um bloqueio sexual irreversível contra relações carnais e, além
disso, é ciumenta, possessiva, controladora de todas as relações e pensamentos
do filho.
A mãe deixa bem claro que Marie
Samuels não vai matar a fome dela comendo o filho dela. A ameaça da Sra. Bates
é bem real.
Enquanto Marie Samuels tenta ser
educada ao dizer para Norman Bates que lhe causou problemas, notamos o Doppelgänger
no reflexo de Bates no vidro ao lado da personagem.
Norman Bates explica que sua mãe não é
mais ela mesma hoje em dia. Marie Samuels continua sendo educada e diz que ele
não deveria ter se incomodado em fazer sanduíche e trazer leite para ela jantar.
Ela nem estava com tanta fome assim.
Norman Bates pede desculpas e diz que
gostaria de poder se desculpar por outras pessoas, no caso, se desculpar pelo
escândalo que a mãe dele fez expondo tanto o filho quanto a hóspede do hotel.
Marie Samuels então decide considerar
o trabalho de Bates e decide jantar com ele. Elá faz um gesto corporal que significa um convite para Bates jantar com ela dentro do Quarto 1.
Outro Doppelgänger bem famoso no
cinema ocorre nessa cena em que Bates dá um passo para frente para entrar no
hotel e jantar com Samuels, e não obstante dá um passo para trás. Essa cena é
interpretada como a natureza de sua duplicidade. O filho quer entrar e jantar
com a moça interessante, mas a mãe que o controla não quer isso. O filho dá um
passo para frente. A mãe dá um passo
para trás.
Claro que nessa hora ele morreu de
medo porque a havia convidado para comer dentro de casa. Mas como a mãe dele já
não é ela mesma (estranha), ele dá um passo para trás, fica cabisbaixo,
cabismeditado e por fim alega que é melhor eles comerem no escritório. Uma
desculpa para não expor a pobre moça à insanidade da Sra. Bates.
E Marie Samuels insinuou, com o
movimento corporal, que seria confortável para ela se eles comessem dentro de
seu quarto. Então o passo para trás é muito sifnificante porque eles não
poderiam jantar dentro da casa da Sra Bates, nem dentro do quarto dela, caso
contrário a Sra. Bates iria imaginar coisas nojentas e não sabemos o que a
estranheza dela pode resultar em termos de ações emocionais.
Bates alega que não é conveniente se
comer no escritório e a convida para comer na recepção.
Aqui temos uma chuva de Doppelgänger
ao acender a luz vemos algumas aves empalhadas e Marie Samuels nota a
gigantesca coruja empalhada na parede com as asas abertas. E Então um corvo e
sua sombra.
São pequenos sinais, pequenos símbolos
da morte que começam a despertar o senso de reconhecimento na nossa heroína.
A recepção está repleta de pássaros
empalhados. Marie Samuels com sua educação impecável diz que Bates é muito
gentil. Ele por sua vez diz não estar com fome.
Então ela pega um pedaço de pão com o
garfo, e Bates, sentado no lado oposto da sala de recepção, sorri e comenta que
ela come como um passarinho.
É um comentário bem notável em uma
sala cheia de pássaros e passarinhos empalhados. Novamente Bates se engasga com
uma palavra, dessa vez a palavra “falsidade”. Ele tenta explicar que é uma
falsidade o ditado que diz comer igual um passarinho, porque os pássaros comem
muito, ou em uma frequência muito alta.
Norman Bates diz não saber nada sobre
pássaros, apenas como empalhar. Seu hobby é a taxidermia, a antiga ciência
egípcia de embalsamar, mumificar um organismo morto.
Bates odeia ver faces de animais
empalhadas, como raposas e chimpanzés por exemplo. Algumas pessoas até empalham
cachorros e gatos, mas Bates não aprecia isso. Bates explica que os pássaros
ficam bem empalhados porque são passivos.
Primeiro ele associa o ato de comer de Marie
Samuels com os hábitos de um pássaro. Agora ele diz que os pássaros são
passivos, submissos à morte. Logo Marie Samuels também é passiva.
Mais a frente Norman Bates diz que
empalhar pássaros não é um hobby. Que um hobby é algo que as pessoas fazem para
passar o tempo, e o que ele faz é se dedicar integralmente ao empalhamento de
aves.
Marie Samuels pergunta se o tempo dele
é tão vazio. Bates, recostado na cadeira, com sua sombra por trás diz que
administra o escritório, cuida dos quartos, do assoalho, e faz pequenos
serviços para a mãe dele. Aqui ele desvia o olhar da interlocutora e olha para
o canto superior direito.
Marie Samuels questiona se ele sai com
amigos. Bates afirma que o melhor amigo de um rapaz só pode ser a sua própria
mãe. Bates revida e diz que Marie Samuels nunca deve ter tido um momento de
vazio na vida dela. Com um pouco de agressividade no falar.
Quando Bates pergunta do que ela está
fugindo, a paranóia toma conta dela. Ela pergunta porque ele pergunta esse tipo
de coisa. Bates desconversa e diz que as pessoas nunca fogem de nada.
Então Samuels e Bates iniciam uma
conversa sobre armadilhas. Samuels diz que as vezes caímos nas próprias
armadilhas. Bates confessa que nasceu na armadilha dele. E que ele não se
importa mais com isso. Ele não se importa mais com sua mãe/armadilha.
Bates esclarece que a origem de seus
problemas é sua mãe. Bates diz não se
importar mais com o fato de ter nascido dentro de uma armadilha. Bates diz que
gostaria de poder desafiar a mãe, mas não consegue porque ela está doente.
Bates diz que ela teve que criar ele
sozinha depois que o pai dele morreu. Ele tinha apenas cinco anos e imagina
como deve ter sido difícil para a Sra Bates. Ela não teve que trabalhar porque
o Sr. Bates deixou algum dinheiro para ela criar o filho, algum tipo de pensão
ou seguro.
Bates explica que alguns anos atrás a
mãe dele conheceu outro homem. Esse homem convenceu a Sra Bates a construir o
hotel. E que ele poderia ter convencido a mãe dele a fazer qualquer coisa. E
quando esse segundo marido faleceu, foi duplamente chocante para a mãe dele
lidar novamente com isso.
O segundo marido deve ter morrido de
uma forma horrível. Foi uma perda muito grande e a mãe dele já não tinha mais
nada, nem ninguém a não ser o próprio filho, replica Marie Samuels.
Bates diz que um filho é um pobre
substituto para um amante. Marie Samuels pergunta porque ele não vai embora. E
ele diz que precisa cuidar da mãe dele. Ele não odeia a mãe dele. Ele odeia o
que ela se tornou com o passar dos anos. Ele odeia a doença mental da mãe dele.
Marie Samuels sugere internar a mãe
dele ao passo que Bates fica altamente ofendido. Bates não consegue imaginar
sua mãe internada em uma instituição como uma clínica ou hospício. Agora tanto as palavras quanto o olhar e posição corporal de Bates, inclinado em direção a senhorita Samuels denotam um alto grau de agressividade.
De outra forma o Doppelgänger
manifesta-se, desta vez na comparação de sua mãe com os pássaros empalhados.
Bates afirma que sua mãe é inofensiva tão quanto um desses pássaros empalhados.
Infere-se que se mãe é tão infensa igual um corpo morto, podemos dar um passo a
frente e dizer que sua mãe é tão infensa que está morta.
A mãe precisa estar com o filho. Não é
como se ela fosse uma maníaca ou uma desvairada. Ela só fica um pouco louca às
vezes. Todos nós ficamos um pouco louco às vezes não é? Bates sorri e olha para
Marie Samuels.
Neste instante temos certeza do
reconhecimento. Bates havia acabado de ficar furioso com Marie Samuels por ela
ter sugerido a internação de sua mãe. Então ele reconhece que a mãe tem
momentos de lucidez, que fica louca só as vezes. E que todos nós ficamos loucos
as vezes.
Marie Samuels encontra Marion Crane
neste momento. Marie Samuels é descoberta e expurgada, como um engodo, porque
ela ficou um pouco louca, mas ela não é essa pessoa, ela não é assim, nunca foi
assim. No final, Marion Crane não quer ser internada em uma instituição, ou ficar presa contra a própria vontade. O reconhecimento do duplo-duplo dela, a fez despertar para o risco que esse roubo pode colocar a sua vida.
Bates pergunta se ela já ficou louca ás vezes e Marie Samuels afima que sim. Que apenas uma vez já é mais do que necessário.
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