Tuesday, 26 January 2021

Estação: Próxima

 Ai que dor de cabeça. Não. Não é só uma dor de cabeça. É uma enxaqueca. Como é horrível, parece que meu cerébro quer explodir para fora do crânio, como se cada fio de tecido estivesse latejando dentro da minha cabeça.

Mas antes do dia começar, deixa eu pegar a minha garrafinha de Álcool. Sim, eu uso álcool, o dia inteiro, por isso ando com um frasco médio dentro de minha bolsa. O dia começa e termina com um bom Álcool Gel. Comprei logo um em promoção nas Lojas Americanas. Um álcool gel Giovanna Baby Blue de 500 ml e fico abastecendo meus refis. 

Não sei como acordei nos Campos Elíseos. Rapidamente tratei de me trocar e sair para rua. Lembro-me bem de ter passado no Cascatinha Padaria e Restaurante, na Rua General Couto Magalhães, 172. 

A inflamação cebebral não ajudava a pensar adequadamente e quando percebi que estava prestes a agir de forma indelicada com o atendente do balcão, pedi que gentilmente fizesse um pão na chapa, com manteiga, nunca com margarina e um pingado (café com leite para os estrangeiros). 

Comi, tomei um Cefalium, do laboratório Aché, primeiro porque é uma empresa brasileira fundada em 1965 e com alta credibilidade financeira no mercado, segundo porque as revistas dizem ser o mais eficiente contra enxaqueca. A verdade é que eu já havia tentado tomar Sumax, e não me caiu bem. 

Como é difícil pensar com tantas buzinas. E aviões. E helicoptéros. E pessoas. Graças a Deus, o Coronavírus não exterminou por completo o contato social. É importante estar em um lugar onde se possa reconhecer as pessoas e ser reconhecido. Sem ninguém ficar olhando estranho para você, como aconteceu comigo na capital do país. Em alguns outros países também. 

Preciso passar na rua José Paulino para comprar umas roupas. Não dá para se vestir de qualquer maneira, dependendo do lugar onde você tenha que ir. Preciso evitar passar na rua Santa Ifigênia, porque consegui enrolar uma senhora coreana no preço de um produto importado, e ela pode e acho que vai lembrar da minha cara se eu passar por lá.

"Dinhelo, dinhelo!" Demandava a simpática senhora sul-coreana, exigindo que eu desse o cartão de débito antes dela sequer me mostrar o produto. Esse povo acha que brasileiro é tonto, né? Não é possível. Enfim, devo evitar passar por lá, e agora sinto minha cabeça um pouco melhor.

Um pouco depois disso já havia um outro compromisso no bairro da Liberdade, onde, ao invés de comer sushi e yakissoba, eu comi um inefável pão de queijo, feito na hora, saindo fumaça do pão quente, e aquele cheiro quente de queijo derretido, enchendo a minha boca de água, meus olhos crescendo com aquela xícara de café com leite. E um suco de laranja também, nunca se sabe nesses tempos de crises do ar...

De repente um rapaz passa e avisa que minha bolsa está aberta. Outro rapaz na mesa ao lado faz um gesto com as mãos e diz: "tô ligado". Achei que fosse antiquado falar assim, já que faz um tempo que não venho em São Paulo, mas estamos ligados de qualquer maneira. Obrigado, respondi ao moço e o celular tocou e já saí correndo para a estação de metrô Japão-Liberdade - Metrô - Linha 1 - Azul, com destino à Paulista - Metrô - Linha 4 - Amarela. 

Daí tenho que passar pela Luz denovo, pela estação Paraíso, pela estação da Sé, sempre tranquila em termos de passageiros por causa do COVID-19, o vírus mais anti-social de todos. E depois Ana Rosa e ufa! Brincadeira tá, não achei os trens menos cheios por causa do vírus antipático, a diferença é o fashion, porque há tantos tipos de máscaras cheias de estilo e agora todos estão no anonimato, o que poderia ser causa para uma revolução e uma mensagem pisca no celular. Tenho que segurar a bolsa, as coisas, responder a mensagem, não cair e, deixa pra lá. 

Observo a lista no celular, respondo uma série de mensagens e quando chego na Paulista, vou correndo para o Balaio IMS, um restaurante que tem exatamente aquilo que meu estômago necessita: arroz com feijão. Hummm. Uma amiga da área da saúde me disse que comer arroz com feijão ajuda a manter os níveis de glicose equilibrados no corpo. Recomendo esse restaurante para quem não é da cidade e recomendo também o Mercado Municipal; Não passo por lá porque há muitos compromissos e o tempo urge. 

É..acho que agora vou tomar um suco de caju, desses de caixinha mesmo, 'naturais'. 

Acho que isso pode ser bom existindo algum tipo de exacerbamento hormonal prolongado. Sim, sim, o cardápio, onde posso escolher arroz com cogumelos, arroz com linguiça e costela, mas acredito que o famoso arroz com feijão personalizado, ou seja, arroz, feijão, um ovo frito, um pouco de batata frita, um pedaço de bife, tipo contra filé, alcatra, coxão mole, enfim, um pedaço de bife quase bem passado com cebolas fritas e um pouquinho de farofa.

Sim, o restaurante Balaio tem um atendimento incrível e o cozinheiro ou cozinheira deve fazer inveja na grega Adefagia e no nórdico Eldhrímnir. Não sei se um Alex Atala ou Helena Rizzo, apesar do nome, gostariam muito de cozinhar um prato tão singelo que é o arroz com feijão. Alho, celola, sal e está tudo ali, mas parece que no Balaio tem uma mágica imperceptível na cozinha, o que torna o tradicional arroz com feijão algo fora do comum. Obrigado cozinheiro, por despertar meus sentidos mais naturais! Obrigado Balaio e obrigado Deus, por me dar emprego numa época tão difícil assim. 

Para beber eu quero um suco de Cupuaçu. Humm. Acho que vou comer uma manga de sobremesa. E é claro,  um açai bem gelado para deixar as moléculas da minha mente em estado meditativo, quietas. Onde coloquei a minha máscara? Desculpa, moço não tinha visto. O celular fica tocando com as mensagens e eu desligo porque gostaria de comer em paz. Se as ruas ao redor ficassem silenciosas.

Açaí, Açaí, Açaí, minha mente vibra na sobremesa, antes mesmo do almoço ter sido servido. 

Não sei porque eu gosto dessa cidade. Do cheiro das pessoas. De andar por aqui. De comer essas coisas apetitosas que são difíceis de encontrar em cidades exeriores. Delícia. Sem problemas para encontrar bananas, laranjas, jabuticabas, graviolas, acerolas, não sei se todas são típicas mas enfim, comuns aqui na nossa terra. 

"Ou mano, pelo amor de deus, dá um tempo, tô precisando passar ó, ou mano, não mano, assim não mano" Ouvi um rapaz tentar convencer o outro a tirar logo o carro da frente da passagem, porque o entregador estava sem tempo, mas parece que o senhor dentro de um SUV chique, estava disposto a provocar o trabalhador. 

Depois de tudo, vou passar no Parque do Ibirapuera e de lá pegar um Uber para o Aeroporto. É bom estar em São Paulo. Vou aproveitar o resto da noite na minha cidade natal, um lugar sereno, onde possa me esquivar do trânsito e das terríveis dores de cabeça. Lá no parque, compro um saquinho de Castanha do Pará, para ir comendo assim, para passar o tempo e matar a melancolia daqui. 

Divago um pouco sobre a pandemia e suas conspirações. Que no fundo é só mais uma fantasia para afastar ainda mais os humanos uns dos outros. Que história é essa de vírus anti-greve? Os filhos dos ricos nunca estiveram fora da escola por causa de peste negra, tuberculose ou gripe espanhola. Um vírus anti-manifestação. Um vírus que impede os brasileiros de se aglomerar. Por favor! 

Eu sei disso porque tenho experiência. Porque em 2005, assisti um filme de um diretor brasileiro chamado Fernando Meireles, que já havia premetidado algo muito parecido. O Jardineiro Fiel. Os intertextos são simplesmente fantásticos, nós temos muitos brasileiros geniais, pena que não damos muito sorte. Cineastas, escritores, diretores, professores no estrangeiro, como Rui Barbosa, diplomatas, pesquisadores, poetas, artistas plásticos, cozinheiros, jogadores de futebol. 

César Lattes. Oswaldo Cruz. Carlos Chagas. Miguel Nicolelis. Marilena Chauí. Antônio Cândido. Darcy Ribeiro. E estamos contaminados. Não por um vírus, mas por uma ideologia. Um fantasma. Devaneios. 

O pior vírus é a distância. O banzo. O afastamento social. A incompreensão. O preconceito. O medo. São todos vírus e eu quero correr deles, das fake-news, das falsidades ideológicas. Não, São Paulo não é a melhor cidade do mundo. Mas eu nasci aqui. E aqui ninguém me olha torto. Pelo menos enquanto tiver emprego. O medo vende máscaras de algodão e álcool gel no atacado e no varejo. Queria que isso acabasse. Queria que as pessoas perdessem o pavor da pandemia. O pavor de encontrar uma outra pessoa, igual a nós. 

Nós brasileiros lutamos para conseguir chegar onde chegamos. Não gostamos de ninguém nos medindo. Próxima estação: Trianon - Masp. E quando for possível, voltar ao Balaio IMS. 


Stations. 


Editado: 27/1/2021 - 10h45m - Alexandre P. R. Bittencourt 

Revisado: 26/1/2021 - 16h20m - Renata Couto Pinho Santos de Bragança

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