Wednesday, 23 December 2015

Estação VII

Próxima Estação: Jabaquara - Desembarque pelo  lado esquerdo do trem - Favor não apoiar nas portas de embarque-desembarque. Por favor pare. Identifique-se. Me dá o seu RG. Desculpe senhor, tenha uma boa noite. Eu não gosto de ficar de rolê aqui na Zona Sul de madrugada. Os cana já me pararam duas vezes, e eu nem estou parecendo suspeito. Deve ser o boné.
Lá vem o Rolls Royce com o motorista engomado do senhor Cerqueira. Hoje é dia de discutir negócios. Conversamos um pouco sobre a vida, ele me contou sobre sua namorada que completou 18 anos ontem. Ele deu um Porsche Cayman de presente pra ela. Com tanto esforço e generosidade é impossível não acreditar que seja amor verdadeiro.
Que sejam felizes enquanto durar o dinheiro do velho. Ele se acha esperto, acha que não está apaixonado, acha que não é um ciumento doentio, acha muita sobre si mesmo, por exemplo que não quer casar com ela. Quer evitar ter que dividir o dinheiro dos filhos e da esposa com uma adolescente voraz, segundo as palavras do velho. E a senhora Fibonacci não quer saber de conversa fiada.
Mas tá funcionando o sistema ainda seu Cerqueira? Perguntei num tom jocoso. Meu filho, você acredita que eu nem estou tomando Viagra? Ela é uma delícia me dá um tesão do cacete. Demos risadas e chegamos finalmente aos negócios.
Dois milhões? Pensei assustado, enquanto meus olhos encaravam aquelas sobrancelhas aparadas assim como os pelos grossos e brancos do nariz. Ele deve andar preocupado e bebendo muito. Esqueceu de aparar os pelos do rosto, esconder as espinhas. Suas rugas parecem linhas de Van Gogh.
Dois milhões é o valor de uma única propina. Onde os funcionários públicos recebem muito torna-se cada vez mais difícil a chantagem. Isso não é dinheiro pra mim. O que um Juiz honorário ganha por mês eu gasto por dia. E aqui no Brasil a gente sabe qual é a lei.
Estão cada vez mais raros os heróis. A tentação do capital faz todos se contorcerem. Ninguém quer ficar na merda, e quem já tem algum patrimônio quer garantir. Então rolou o famoso esquema da Mega-Sena. Faz tempo que estou tentando descobrir quem é o mafioso por trás dessa jogada. Com certeza algum alto escalão do governo.
A verdade é que o bolão dá uma chance maior de você vencer. Apostar 15 números de 60 aumenta consideravelmente suas chances. Fazer vários bolões, e ganhar qualquer um deles. Uma forma de mudar de vida com mais dinheiro legal. Fora que todos vão me achar o cara mais sortudo do mundo.
O escritório de advogados recebe meio milhão de dólares por mês para administrar meus negócios. Começamos a investir em educação privada na década de 90. No ano de 2016, nosso grupo empresarial é a maior e mais respeitada universidade particular da américa latina. Temos laboratórios sofisticados, bibliotecas modernas e amplas em todas as áreas, incentivos fiscais do governo e apoio de bancos, empresas e industrias.
Os gerentes do nosso grupo educacional contratam apenas professores doutores em universidades federais e estaduais. E pagamos o triplo mais benefícios horrendos para manter alguns professores. O próprio primeiro ministro da República leciona em uma das faculdades de nosso grupo empresarial.
Eu não entendo nada de educação. Fui educado nas ruas. Na verdade larguei a escola no sétimo ano do ensino fundamental. Na década de 80 costumava ter outro nome. Minha empresa pessoal era muito mais lucrativa e interessante do que a escola. Com dezoito anos eu já andava com uma moto mil e quinhentas cilindradas.
Peguei algum gosto pela leitura mas nunca li um livro inteiro. Leio pedaços, trechos, partes que eu considero importante. Como meu amigo Homero, traduzido por Haroldo de Campos. Tenho a parte I desse volume. A segunda parte dessa edição eu prefiro não comentar agora.
Carlota. Eu quero que você faça Farmácia. Sim, sabe esse grupo famoso de drogarias com o slogan em vermelho e azul? Foi a senhorita Carlota a grande empreendedora da década de 90. Crescemos como um pau de um adolescente, rápido, veloz e no inicio dos anos 2000 o governo desmontou nosso cartel de drogarias. Lucramos durante mais de oito anos vendendo medicamentos com monopólio em todo o país, ganhando todas licitações do governo.
A Senhora Carlota Heidenberg, casou com um alemão fabricante de  anestésicos. Ainda sob meus auspícios mandei ela estudar na França e na Inglaterra gestão de negócios em Farmácia.
O que eram meus 144 apartamentos residenciais na década de 90? Hoje tenho aproximadamente 800 imóveis comerciais nas zonas mais caras do país. O Senhor Cerqueira serviu vinho Merleau, se é assim que se escreve, enxaguou levemente os dedos, babou no guardanapo e acendeu um charuto.
Fiquei sabendo do seu plano de grampear os dourados. Não se meta com essa gente. Ele estava bem sério e mostrou estar bem informado. Acho que ele já está com a idade avançada. Eu preciso investigar os dourados senhor Cerqueira. Agora meus negócios são legais, a maioria pelo menos. É bom ficar atento e saber o que a polícia está fazendo. Não faça isso. Posso cancelar nosso contrato se você insistir. Não se brinca com os federais.
Próxima estação: Bolsa de Valores - Embarque na especulação financeira. Ainda não é tempo de adiantar o futuro Senhor Vanzetti. Minha namorada me perguntou porque esse nome. Disse que era o sobrenome do meu finado avô. Ela contou uma história sobre uns anarquistas italianos que foram condenados à morte nos Estados Unidos, acho que no século XIX.
Sacco e Vanzetti era o nome deles. Parece que as acusações foram forjadas Não há consenso entre os historiadores nem documentos que possam provar qual a causa da condenação desses dois italianos, senão por extermínio político. Será que os nomes carregam significados místicos? Há alguma revelação por trás do nome Vanzetti? Não acredito em nada disso.
Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria , padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos, ressucitou ao terceiro dia, subiu aos Céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e mortos. Creio no Espírito Santo. Na Santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém.
Todo domingo de manhã, depois da enfermeira dar o banho e trocar, eu levo a tia Margarida para a Igreja. Gosto da sensação de conforto do ambiente. Todos envolvidos em pensamentos bons. A hóstia. O vinho. Os cantos. Titia Margarida deve ficar feliz por dentro. É assim que eu penso ao ficar do lado dela. Vou evitar falar sobre o dia que Tia Margarida, melhor, minha avó faleceu. Como já sabem tenho recalque com a morte.
Na segunda-feira minha namorada estava com uma amiga da faculdade. A amiga insistiu que fossemos assistir uma aula na Universidade de São Paulo. Qual a sua graça? Ela "o que?", rindo. O seu nome. Beatriz. Faço Letras Alemão é um curso muito legal e...ficou falando por uns quinze minutos enquanto eu sorria. Para não fazer descaso com minha namorada aceitei o convite.
Diomedes foi uma grande herói na guerra de Tróia. Desempenha um papel crucial ao exibir sua fúria, ferindo os Deuses. Ares e Afrodite ficaram chorando depois dos golpes do furioso Diomedes, nessa situação favorecido pela deusa Atena. Um força inigualável entre os outros dois ajaxes. E o que acontece com Patroclo? Perguntou Beatriz.
Kleos em grego significa fama. Por exemplo, Cleópatra que é o inverso de Patroclo. Aquiles desejava a fama acima de tudo, e para a conseguir a glória de uma autêntica Kalos Kagathos ele não poderia, nem deveria portar-se como Kalon Kakon. Os gregos da Ilíada quando querem ofender uns aos outros os comparam com mulheres. Aquiles deseja a glória por meio do Kalos Thanathos. A bela morte no ápice de sua juventude, glória e desejo de vingança.
Aquiles chora para Tétis, a ninfa sua mãe para que peça a Zeus que a miséria caia sobre os argivos. Zeus para cumprir o pedido do herói favorece os Troianos e principalmente Heitor, o maior guerreiro entre o povo de Ilium. O professor continuava com um sotaque alemão.
Heitor torna-se um guerreiro imbatível e Aquiles manda Patroclo lutar em seu lugar. Apolo retira a armadura e as armas do primo de Aquiles e Heitor o assassina, ficando com a Armadura de Aquiles. Nesta ocasião Hefesto forjou outra armadura para o rei dos Mirmidões, melhor e mais leve do que a que agora é possuída por Heitor. Mas vamos discutir a questão da ação em Homero. Vamos até Aristóteles e sua Arte Poética...
Eu me coçava. Olhava o celular. Coçava a cabeça. De vez em vez olhava pra minha namorada. Ela sorria fascinada por aquele conteúdo. Eu nunca pensei essas coisas ao ler Homero. Acho que não estava entendendo nada da aula. Estava louco para sair dali. Amor, vou ao banheiro. E o professor discutia com um aluno: O que estamos discutindo nessa momento é a personagem Aquiles no contexto da guerra de Tróia. O senhor que está de pé. Olhei para o professor assustado. Qual a primeira letra que inicia a Ilíada?
Ira de Aquiles? Perfeito. Pode ir ao banheiro, como nossa colega que esta indo ao banheiro falou, o centro da obra está na fúria de Aquiles...Não esperei mais. Desci as escadas correndo e subi na garupa de uma XT 66. Fomos até o Jaguaré, logo ali do lado na universidade.
Aqui, nesse bairro cheio de vielas e ruas estreitas, com as casas mostrando os tijolos vermelhos, os telhados de amianto, as antenas e cabos irregulares, não passamos como visitantes. Vamos direto a um barraco onde seu morador guarda uma quantia ridícula de diamantes. Que por sinal foram roubados de uma de minhas joalherias. Esse safado roubou mais de dois milhões de dólares em diamantes. E fica escondido aqui na quebrada, esperando algum comprador.
E aí flor? Eu te espero aqui. Ela me dá um selinho. Eu bato na porta e ninguém atende. Dou a volta na rua e vejo o quintal. O senhor teria um copo d'água? Sorrio e ele entra para pegar. Era um jovem com cabelos longos e lisos, barba bem feita, branco,vestido com uma regata branca. Musculoso e atlético parecia até um modelo universitário. Novo, não deveria ter mais de 25 anos. Espero ser convidado pra entrar. Tem uma escolinha logo na esquina. Uns meninos jogam bola descalços na rua. Chuta a bola ae tio. Eu coloco a bola no pé do menino. Tenho um passe perfeito. Valeu hein. Falou, graças a deus senhor, obrigado pela água. Eu estou procurando a rua dos Valentes. O senhor sabe onde é? Não fica por aqui.
Senhor tá no céu. Falou com uma voz baixa e quase tímida. Como um cara desses conseguiu roubar minha joalheria? Parecia de família boa, cara branca de estudioso e pinta de ser graduado. Desculpa perguntar mas o senhor já estudou na Federal do Rio? Não. Eu sou formado pela Universidade de Harvard. Estou aqui na USP fazendo mestrado. Já fui na Federa do rió várias vezes. Muitas gatinhas e festas do caralho. Era a brecha que eu tava esperando. Então deve ter sido lá que a gente se conheceu. Tu falou que era jornalista e eu não esqueci de com seus olhos são lindos.
Entramos, ele ofereceu bebida e conforme fomos nos conhecendo ele ofereceu pó, doce, e eu tomei. Ele tentou se engraçar pra cima de mim. Como não tenho frescuras peguei no pau dele e percebi que tava duro. Dei um beijo na boca dele, a barba me picando, e quando ele começou a se empolgar disse que preferia que fosse num lugar mais selvagem ou num motel de luxo. Brinquei com ele. Isca. Isca.
Ele disse poder pagar em diamantes. Peixe. Depois da isca o peixe. Fiquei enfurecido como Aquiles, mas não poderia fazer isso ali, tão perto de uma escola primária. Fomos para o motel? Porra nenhuma, falei que tinha tesão de transar no mato e ele falou de uma matinha da Física que fica na USP.
As pessoas que ficam loucas pra transar não medem consequências. Fiquei nuns amassos com ele num lugar bem escondido, deitei ele no chão e tirei a cueca dele. Pedi pra ele fechar os olhos para ter o melhor boquete do mundo. Fiquei batendo uma pra ele pra ter certeza que não abriria os olhos. Com a outra mão comecei a massagear seu saco, com carinho e força, descendo o dedo um pouco mais pra baixo. O pau do cara não tinha um pelo. Enfiei o dedo no cu dele, e um pouco de porra saiu do pau, junto com um gemido. Me chupa, por favor! Eu quero muito sua boca no meu pau seu gostoso.
Se você fizer um movimento eu corto seu pau. Se gritar eu corto seu pau. Que delícia. Ele ainda de olhos fechados achou que fosse brincadeira. Tem um bisturi bem debaixo do seu saco. Falei seco. Ele abriu os olhos ao sentir o frescor da lâmina cortar levemente a base do seu pau.
Você tá louco, não brinca com isso. Se tentar correr vai se machucar. Se fizer movimento brusco vai ter o pau cortado. E acho que você gosta muito dele pra ficar sem. O celular vibra. Deve ter acabado a aula de Literatura Clássica. Escuta aqui filho da puta onde você botou a porra dos diamantes? Que diamantes? Eu forço um pouco a lâmina no seu pinto. Pára! Pára! Pára! Eu enterrei no fundo do meu quintal, debaixo de uma laranjeira. Você vendeu algum? Não, é difícil vender essa merda. Você é da polícia?
Não. Sou o dono da loja que você roubou nos Jardins. Lembra? Se roubasse até uns quinhentos mil reais eu não iria ligar. Agora diamantes de 100 kilates? Não, o senhor tem diamante suficiente para causar uma crise financeira no país. Aqueles diamantes não necessariamente declarados. Não fiquei explicando isso pra ele. Peguei o celular enquanto o encarava com o bisturi no seu pinto, agora murcho e parecendo uma minhoca esquisita.
Acho que nunca vou sentir tesão por pica. Flor. Entra no quintal e cava a laranjeira. Mala preta, vou abrir dentro da casa. Perae. E aí? Certinho. Como não gosto de torturar as pessoas disse que ele podia ir, contanto que não abrisse o bico. Eu fui na frente dele para ele se sentir mais seguro. Ele esperou um bom tempo e quando começou a caminhar eu, de cima da árvore dei um tiro na sua cabeça cheia de teorias e boas intenções. Largo a arma com ele e as digitais dele, junto com um frasco de antidepressivos. A polícia, ao entrar na sua casa achou provas forjadas. Uma pá que ele teria usado para cavar embaixo da laranjeira e encontrar fotos do namorado com outro. Muitas drogas e bebidas na casa e o laudo conclui que foi simplesmente suicídio.
Eu nem pego a moto. Vou andando até o instituto de Matemática para lavar as mãos com sabão. Seria nojento pegar na minha namorada depois de ficar tanto tempo com a mão no pau desse desgraçado ladrão. Você não ficou para o fina da aula? Desculpa meu anjo, meu sócio me ligou para dar uma boa noticia.
Próxima estação: Vila Madalena - Desembarque pelo lado direito do trem. Fomos nós três de trem tomar uns mé no buteco. A amiga dela ficou bêbada rapidinho e deixou cair o óculos. Mas acabou encontrando um gatinho na noite e fomos felizes até o raiar do dia. Quando tive de dormir e pensar novamente em meus compromissos na Capital. Com 10 milhões de reais eu consigo colocar cinco parlamentares no poder. Estou chegando lá. No aeroporto perguntam meu nome: Gennaro Vanzetti. Pois não? O senhor acabou de ganhar uma promoção de nossa companhia. Poderá viajar na primeira classe sem mais custos. Minha namorada segura minha mão quando o avião está para decolar. Ela sabe que eu tenho medo. Sua mão materna deixa-me seguro. Capital. Ouço o apito do avião.


Crônica improvisada

Monday, 21 December 2015

Estação VI

Próxima estação - Luz - Desembarque pelo lado esquerdo do trem - Largo Treze. Rua Direita. Viaduto do Chá. Estação da Luz. Praça da Sé. Galeria do Rock. E o velho Bexiga. Ontem sonhei que estava tocando uma peça de Chopin no piano que fica na Estação do Metrô. Ela chegou cheia de maquiagem, tirou a roupa e ficou sentada na minha frente. Deve ter sido o filme de ontem. A cerveja de ontem.
Minha namorada começou a perguntar onde eu trabalho. Onde eu me formei. Como é notório de todos sou formado na escola das ruas. Minha tia não era tão boa como minha mãe. Ela me deixava passando fome de propósito para que eu fosse obrigado a roubar.
Essa tia, que me criou quando minha criadora desencarnou, era eivada de vícios alcoolicos e da raiva. Não passe fome. Roube. Quem eu seria se não fosse essa adorável tia? Com certeza um cidadão honesto que trabalha duro para ganhar o próprio pão.
Os meninos maiores sempre são mais folgados. Tiram você o tempo todo e na briga começam ganhando. Eu tive que tomar muito soco na cara, chute no estômago e pancada para chegar até hoje. Já era para estar morto. Deus que ama a todos sem distinção de caráter ainda não clamou por minha alma.
Minha namorada fez perguntas sobre onde eu me formei. Em que lugar exatamente eu trabalho. Vagabundo não pode dormir no ponto, então eu tive que improvisar um escritório de alto nível na Avenida Paulista. Contratei uns temporários para os dias que ela vai me pegar no "trabalho"
De resto, não aproveito esse escritório para nenhum negócio pessoal. Linhas telefônicas não são confiáveis, isso todo mundo já sabia antes do senhor exilado na Rússia, redes de navegação muito menos. Servem apenas para produzir centenas de provas contra você.
Cerqueira & Fibonacci Advogados. Eles foram os primeiros a dar conselhos sobre como investir melhor meu dinheiro: dando boa parte para eles. Como eu ando preparado para tudo sei que qualquer dia posso ser preso. O Senhor Cerqueira é respeitado no mercado do direito. Anda de Lamborghini, só come em restaurante cinco estrelas, faz  compras na Europa, tem um barco com o nome de sua namorada de 17 anos, "Lisa" com heliporto e o caralho a mais.
O Senhor Cerqueira tem uma cicatriz no lado direito da bochecha. Cada um fala uma coisa sobre essa cicatriz, eu mesmo não me importo e acredito na versão dele. Apesar de estar com a idade do Silvio Santos o líder do escritório de advocacia já tem troféus por defender caras do Mensalão, da Lava Jato, e de tantos outros esquemas de corrupção.
Fibonacci é a ex-esposa do Senhor Cerqueira. Uma loira com os peitos cheios de silicone, bunda, perna, vive na Itália fazendo cirurgia plástica. Ela tem apenas quarenta anos e o Senhor Cerqueira terminou com ela recentemente. Ficou apaixonado por uma "brilhante e severa estudante de direito".
O casal Cerqueira e Fibonacci casaram há mais de vinte anos. Na época o velho devia ter uns sessenta e ela uns vinte. Quando achou uma mais nova, a lei da oferta e da procura provou-se concreta.
Mandar dinheiro para Suíça. Comprar uma faculdade. Investir na campanha do Deputado Federal _ _ _ _ _ _ _ _ _ _  _ _  _ _ _ _, comprar apoio da facção dos magistrados, eleger um Senador da República. Investir em aliados políticos é chato e os advogados recebem meio milhão por mês não é a toa. E malandro tá ciente que não se brinca com essa raça. Ou eles te fodem e te afundam até o pescoço. Entretanto, são os melhores aliados políticos.
A facção dos magistrados é um grupo de juízes que são indiretamente subornados pelos negócios do cartel dos advogados. Pelo menos eu vejo assim, o direito como mais uma empresa econômica, sendo o seu fim o lucro não a justiça. Pagar pessoas para fazer a burocracia, emendar os problemas. Esse é o meu estilo de jogo. E eu jogo pesado no mercado.
Quando ninguém mais sabe quem você é, ou seja, seu golpe contra o sistema foi tão elaborado desde os primórdios da infância a ponto de exterminar as brechas e impossibilitar qualquer tipo de provas.
E não é tão mágico como o cinema. Sem ligações. Sem internet. Sem papel escrito. Sem rosto. Sem provas. Anônimo.
É garantida a liberdade de expressão mas é vedado o anonimato. Qual? Perguntou surpresa minha namorada. Universidade de Presbiterianos. Nunca ouvi falar. Era uma boa faculdade, foi fundada na década de cinquenta e depois foi anexada a um grupo maior de ensino. Como sabia que ela ia pesquisar na internet, criei uma página falsa para manter as aparências. Pedi a uns amigos hackers para fazer o trabalho. Hoje em dia no mundo do crime tem que ter todo tipo de conexão e parceria. Workshop eles dizem.
Eu cheguei na quebrada vestindo o uniforme azul e amarelo dos Correios. Com a bolsa azul cheia de correspondências ao lado. De fato eu fiz umas entregas reais. O verdadeiro carteiro está amarrado e anestesiado na van. Boa tarde senhora. Correspondência pra fulano de tal. A senhora poderia assinar aqui e colocar o número d RG por favor. Por extenso? Sim senhora. Cade o Hermes? Ele ficou gripado e deixaram ele de cama. O dia de folga é na segunda né? Ela riu achando que o real carteiro tivesse enchido a cara no domingo. Eu ri de volta e fiz alguma piada só para não perder muito tempo.
Contas para pagar. Mala direta. Contas de perder a conta. As pessoas não mandam mais cartas para as outras. Você está contando o número das casas, separando o lado par do lado impar, do maior para o menor, ou vice-versa. Olha o Correio! É como se tivesse trabalhado a vida inteira com isso. É bom ser simpático e trabalhar com as pessoas. Não deve ser legal fazer esse rolê todo dia pra ganhar uma merreca do estado.
Próxima Estação - Círculo: vestíbulo VII - Giro 1 - Viagem sem volta. Eu ficaria mais adequado no Vestíbulo VIII nas valas 1, 5, 6, 7, 8, 10, sendo os números: rufiões, traficantes, hipócritas, ladrões, maus-conselheiros e falsários respectivamente na ordem das valas. Ah! Como é dura a tarefa de narrar, essa selva rude e forte, que volve o medo à mente que a imagina. No meio do meu caminho tinha uma pedra. No meio da minha vida, no meio dos meus olhos, no meio do meu âmago.  A arma estava numa caixa de Correios amarela e azul, como a camisa da seleção, perto da casa onde eu iria terminar o dia de entregas.
 Uma caixa que foi entregue por uma adolescente vestida de rosa. Ontem.  Olá tudo bem com você? Seu pai está? Vou chamar ele. Papai! Detesto fazer esse tipo de coisa com criança por perto. No meio do caminho de nossas vidas fui me encontrar em uma selva escura. Tic-Tac. Com certeza eu não inventei esse poema. Um outro menino, de uns dezesseis anos mais ou menos estava sentado numa cadeira de metal branca, com o olhar perdido e a cabeça pendendo para a esquerda. Usava uma bermuda branca toda manchada de água sanitária. Olá qual o seu nome. Ele não respondeu. Talvez estivesse chapado. Talvez fosse alguma coisa mais séria.
Meu filho sofre de uma doença rara. Chegou um homem branco, alto, barbudo, com a voz rouca e tremendo. Ele perdeu a fala e a consciência quando ainda nem tinha dez anos. Minha mulher morreu de desgosto. Agora estou desempregado e com três crianças para criar. Como é o mais velho eu ainda coloco ele pra pegar latinha. Mas ele só quer saber da latinha pra fumar pedra. Abaixei a cabeça enquanto minha mão direita suava frio no cabo da pistola. Deixei a mão escorregar e fechei a caixa com a arma, deixando minhas mãos à mostra para parecer inofensivo para todos. O senhor tem um gole de água? Preciso de água para pensar no que fazer. Deus que sede!
Enquanto pegava água o pai tentava fazer um carinho na cabeça do menino, enquanto olhava pra mim cheio de suspeitas. Garrafas de corote e pedra noventa espalhadas pelo chão. Pacotes de miojo e bitucas de cigarro. Um canudo em cima de um espelho na mesa. Revista pornográfica. Meus olhos de rapina percorrem aquele quarto estreito. Lá fora,  o menino grunhiu, tentou bater no pai e começou a soluçar. Para com isso se não eu te arrebento moleque. Vai pro seu quarto vagabundo doente de merda. Deu um chute na bunda do menino e ele ia correndo trombando nos poucos itens de cozinha que estavam na pequena casa. Seu olhar era a esplêndida fúria. Evitei enquanto observa outros detalhes sórdidos naquele apartamento. Posso ir ao banheiro?
Ele coçou a cabeça e já estava quase chorando. Fui andando vendo os dois pequenos quartos da casa. Ali  deve ser o quarto do menino mais velho. Empurrei a porta para ver um quarto mais bagunçado que o mundo.
Quando se está no inferno todo tipo de coisa acontece. Recebi uma mensagem com título e garantia de ser problema. Quem é Carlota? Espero que você apareça essa noite para jantar. Beijos. Ela não escreveu mais nada. Nem um emoticon. Uma figurinha, um meme, qualquer coisa. Mancha de sangue no lençol encoberta por sabão em pó de má qualidade. Como explicar que uma enfermeira trabalha pra mim? Estou começando a ficar com a corda no pescoço de tantas mentiras. Uma hora a casa cai.
Um livro desses publicados por editoras baratas estava logo abaixo do colchão. Peguei a edição para ver. Era um livro preto com um aviso bem grande em vermelho na capa: se você tem algum tipo de paranoia não leia este livro. Pode lhe causar perturbações de ordem moral e espiritual. Será que nem os autores medem consequências para vender hoje em dia? Não recomendado para menores de 18 anos. Mas é claro que eu ia ser o primeiro a querer ler esse livro, se tivesse catorze ou quinze anos.
Intrigas. Paixões. Revelações. Dúvidas. Tem críticas dos jornais mais respeitados do país. Quanto lixo distribuído pelo mercado.
Particularmente não tive nenhum interesse em ler esse livro. Como nunca ouvi falar do autor, nem perdi tempo. Só leio autores com referência, de preferência os já consagrados pela historia. Infelizmente não tenho tempo para ler qualquer porcaria que é publicada.
Pai nosso que estai no céu. Santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso reino. Seja feita...O Pai velho estava rezando baixinho. Expiando que tipo de culpa? Espreita o meu instinto selvagem. Na floresta não vou pegar na mão de Virgílio. Vou até o inferno para beijar Beatriz. Minha namorada quer saber quem é Carlota. Não posso responder agora.
Desculpe moço. Tenho que assinar alguma coisa? Sim, com o seu sangue. Ele é muito forte. Belo bafo de onça. Deve estar na bebedeira desde cedo.
Uma notícia sobre violência e abuso passava no jornal. Eu não estava ouvindo mais, mas foi como um bálsamo a aliviar minhas dores, um luz que permeia a vida de qualquer bandido: intuição. O menino parou de falar ainda criança. Tem aversão ao pai e não suporta a presença dele. Em qualquer outra situação eu teria evitado. Por respeito as crianças. Agora precisava agir rápido. Porque diabos eu tenho de medir as consequências do que faço? Que inferno! Não quero diluir a vida desses meninos à um quadro do terror. Ver o próprio pai morrer com um tiro na cara deve ser difícil de esquecer. Deixo o celular no silencioso.
O velho rezava, confessava obscuramente seus pecados mais íntimos para mim. Um animal sabe reconhecer outro tipo de animal. Dei uns trocados para os meninos comprarem coisas no mercado. O outro havia ido para o quarto e fugido pela janela. Foi a conclusão que eu tirei pela observação minuciosa do quarto. Os outros meninos menores saíram correndo pela porta, brincando. Ofereci um pouco de bebida para o monstro. Fiz de contas que eu era um amigo do peito, uma pessoa que já sofreu e não superou as dores, que bebe todo dia, inventei que espancava minha esposa e tinha desejos estranhos. Isca para peixe, fingindo que entendia a dor dele até esperar o momento certo de fazer a sugestão. Eu fui dando corda pra ele, como meu avó costumava dar corda para suas marionetes. Já era lá pelas tantas e o titiriteiro entendia os desígnios da sua personagem.
O que eu acho mais admirável em todas as pessoas más é que elas tem a mente fraca. É fácil entrar na mente de um vacilão. E quanto pior em caráter for a vítima, maior minha satisfação. Eu gosto de matar esses traficantes que ficam andando pela quebrada de carro rebaixado com som alto, intimidando a comunidade. Eu gosto de atirar na boca desses bandidos de esquina que vivem se achando só porque tem uma arma na cintura.
Os valentões que andam armados e gostam de intimidar outros cidadãos. Vacilões de modo geral, cobras cheias de veneno e sedentas pela maça. Coloquei a mão na bolsa e não achei a carta para o velho. Na caixa tinha uma selo talhado em ouro escrito Pandora. Eu coloco a mão na bolsa e pego um cigarro. O senhor tem isqueiro? Sinto muito, posso fumar aqui?
Você não é dos Correios. E você não é um pai. Dois tiros na cabeça, dois no peito e um no saco. A cobra saiu rastejando pela porta. Olhei e vi o menino mais velho com um rosto de felicidade. Mandei ele ir visitar seu pai lá na terra de Dante. Desagradou-me demasiado o sadismo cínico com o que aquele menino me olhou. Monteiro Lobato me ensinou quando eu era criança que não se leva Cobra ferida para tratar em casa.
Próxima Estação - Faria Lima - Desembarque pelo lado direito do trem. Táxi, por favor leve-me até o alto de pinheiros o mais rápido que o senhor puder. Eu pago o triplo do taxímetro. Ele foi relativamente rápido. Até eu começar a contar notas de cem e ver seus olhos crescerem pelo retrovisor. Trezentos reais pela corrida. Obrigado senhor, tenha um ótimo final de ano.
Oi querida. O que houve? Quem é Carlota? Carlota é uma das enfermeiras que trabalham para a Tia Margarida. O que mais? O que mais o que? Seu ciúmes? Detesto essas discussões idiotas. Pensei enquanto a discussão ia ganhando massa, forma, volume, cores e espirito. Amor o caralho! Vai pra lá não me chama de amor! Essa vagabunda é a sua amante não é? Confessa seu vagabundo! Se eu me confessar você nunca mais vai olhar na minha cara. Eu sou vagabundo, mas não desse tipo. Eu já te falei amor, não rolou nada entre eu e ela. Vem aqui. Você é a mulher da minha vida.
Eu te odeio. Saiu quebrando pratos e copos. Quer que eu vá embora? Dois passos para fora da porta, após uma longa pausa tipo Haneke, ela soluçou um "não" que me seguiu como uma mão macia e me convidou gentilmente a voltar. Você está nervosa. Imbecil! Claro que ela está nervosa! Quando a mulher está brava e você fala idiotices, redundâncias ela fica ainda mais feroz. Mas agora não dá pra concentar... Melhor a gente se falar depois que..EU NÃO ESTOU NERVOSA PORRA. Gritou na minha orelha. Eu ameacei rir e ela percebeu, mas foi inevitável. Nessa época do mês ela fica sempre assim. Desculpa amor e comecei a gargalhar. Ela começou a me bater na cabeça, na barriga e eu rindo, rindo sem parar. Ela olhou nos meus olhos bem sério e perguntou: Quem tipo de pessoa você é? Se brincar comigo eu te mato. Encarei com frieza o olhar frustrado dela e desatei a rir logo em seguida, ela também e se abraçamos. "Quem" tipo de pessoa? Rimos ainda um pouco mais Ela disse que me amava. Pediu perdão pela insegurança e disse que entende eu ser uma pessoa de negócios.
Na noite anterior eu tinha ido tomar um chá com seu Zé. Ela saiu com as amigas e voltou só de madrugada. Aproveitei a noite para discutir negócios com o sogro, que mostrou ser muito inteligente e hábil com números. Se não fosse ilegal iria pedir para ele administrar meus negócios. Disse que a vida não estava fácil pra ninguém. Acanhado e com medo pediu um mísero empréstimo de vinte mil reais. Eu disse ser possível mas antes deveria conversar com meus sócios, O Senhor Cerqueira e a divorciada Fibonacci, para ele nomes fictícios de gestores de negócios. Não quero que seu Zé saiba que eu estou envolvido com advogados.
Hoje, pouco depois de pintar mais um quadro de brutalidade, liberei via celular a quantia de cinquenta mil para o seu Zé, livre de impostos. O dinheiro foi emprestado legalmente no nome de um dos meus Laranjas. Como pode ser um rapaz tão jovem e bem sucedido? A malícia dessa pergunta levou às trevas sua questionadora. Era o almoço de final de ano, e uma prima de terceiro grau da minha namorada estava morrendo de inveja dela.
Frequentemente fazia comentários críticos e ácidos a respeito do que minha namorada dizia, vestia ou deixava de fazer. Foi indelicada e mau educada mais de uma vez na mesa. Fiquei nervoso e fui fumar um cigarro na varanda. Seu Zé sabia que eu tava puto. Agora só fumo cigarros quando estou com muita raiva. A prima dela foi atrás.
Sua língua de cobra tentou me cortar e chicotear várias vezes. Filho de quem? Veio da onde meu filho? Que rapaz bonito e solteiro dando mole. Não estou dando mole. Vim fumar um cigarro. Você é muito lindo. É muito bonito ver um rapaz tão empenhado e trabalhador bem sucedido logo cedo na vida. E tudo legalmente. Disse com ironia.
Não poderia matar ela na noite seguinte. Então esperei e prometi que no máximo em um ano iria elimina-la. A sorte veio antes. Ela bateu o carro num poste. A perícia concluiu que ela estava muito bêbada. Senhor Vanzetti. Senhor Vanzetti? Seu talão de cheques. O gerente do banco entregando pra mim. Em breve quero comprar um banco pra mim. Só pra mim. Agora tenho que descer as escadas e ir até a Capital. Alô?


Crônica improvisada

Friday, 18 December 2015

Estação V

Próxima estação: Escândalo - Desembarque ou morra. Estava deitado em algum banco perto da W3 Norte; O céu estava roxo-rosado. Um oficial da polícia pediu meus documentos. Enquanto eu abria os olhos, outro policial me amarrou e amordaçou. Não tive tempo de dizer nada e já estava na mesa do juiz, ouvindo o martelo repicar na mesa, uma, duas, três, trinta anos de reclusão, sem direito à fiança. No próximo segundo eu já estava tirando as roupas e sendo averiguado como número tal dando entrada no presídio.
Iria trabalhar como pintor. Pintava as calçadas dos pátios, as traves dos gols. Pintava as fossas, banheiros e paredes de cela. As I walk trough the valley of the shadow of death, I take a look in my life and realize there isn't much left...É a música do meu celular. Começa a ecoar por todo a prisão. Destrói as paredes com a reverberação.
O celular estava tocando faz tempo. Cheguei tarde ontem, quase seis da manhã, apenas tirei o sapato e a calça e me joguei no sofá. O celular.  Hoje acordei, fiz uma série de flexões, alongamento, cortei o cabelo e a barba, hidratei o rosto.
Hoje é dia de fazer de contas que sou pintor. Uma das minhas casas está em perfeito estado, e futuramente quero morar com minha gata lá. Então eu mesmo quero caprichar na pintura. A enfermeirinha que cuida da titia quer me ajudar. Eu sei o tipo de ajuda que ela quer dar.
Próxima estação - Pinheiros - Desembarque pelo lado esquerdo do trem. Táxi, táxi! Até Alto de Pinheiros por favor. Mas antes vamos passar numa loja de materiais para construção. O taxista estava de mal humor e nem olhou na minha cara. Pobre corno. A vida de pobre já é dura quando se está de bom humor. Pego meu tablet da Apple e confiro algumas mensagens.
Lembrei do pesadelo de hoje de manhã. Prometi para minha namorada que iriamos viajar para Brasília. Disse ser uma cidade muito arborizada e segura.
Pode passar no débito. Lixas, rolos, pincéis, tintas, solventes, diluidores, estopas, óleo, sprays, baldes, recipientes para manipular tinta, fita crepe, jornais usados. Quando terminei de colar os jornais nas bordas dos pisos com fita crepe, além das tomadas, carregadores, cinzeiros, alarmes, etc, tomei uma cerveja, de umas caixas que estavam na geladeira.
Oi, vim te ajudar. Essa é uma das enfermeiras que tomam conta da Tia Margarida. Ela veio de salto alto pintar a casa. Unhas feitas, batom vermelho, mini saia preta cortando o coração. Peguei a máquina de lixar e comecei pelas paredes maiores. Ela ainda tinha ido se trocar. Colocou uma bermudinha do tamanho da calcinha, preta como a mini saia. Um top que deixava a barriga durinha em exibição. Ela tava muito gostosa.
Pode pegar o rolo e começar a pintar por aqui. Não disse que queria ajudar? Imaginei enquanto corria para o outro quarto para terminar de lixar. No fundo eu não amo minha namorada. Quero casar com ela porque achei uma pessoa decente e capaz de administrar uma família junto comigo. Essa enfermeira acha que vai conseguir se aproveitar de mim fácil. Eu não sou desse tipo de homem que deixa as mulheres verem sua baba escorrendo.
Eu acho sexo até legal, mas não fico correndo atrás. Essa enfermeira pode trabalhar pra mim. É nisso que estou pensando. Essa casa não está no meu nome. Toda documentação oficial está em nome da minha namorada. Ela não sabe disso ainda, vai ser um presente de casamento junto com uma viagem para o Marrocos e um Chrysler na garagem.
Quando deu a tardezinha o calor começou a tirar nossas roupas. Eu tirei a camiseta. Ela tirou o top. Estava sem nada por baixo, e eu vi aqueles peitos quase virgens, com os mamilos ainda meio branco e rosado, em um formato de um seio que parece ainda estar em desenvolvimento. Eram pequenos e rígidos, e quando ela levantou o top só encarei por costume. Os peitos delas eram idênticos aos da novinha que Miguel Corleone casou na Sicília, enquanto estava foragido.
Pergunto se Leonardo da Vinci já pintou um quarto. É realmente muito trabalhoso. E ela ficou impressionada pelo fato deu não ficar pagando pau pros peitinhos deliciosos dela. (eu quero dizer com isso que era só eu pegar na mão dela e dar um beijo pra tudo começar) Na hora que ela abaixou para misturar a tinta ao solvente ouvi um leve chiado. Ela peidou. Fiz de conta que nem notei, mas o cheiro parecia urubu estragado. Ela olha pra mim e isso me assusta e excita ao mesmo tempo. A qualquer momento posso ser agarrado à força. Você gostaria de trabalhar pra mim? Mas não tem nada a ver com enfermagem.
Sequei bem os peitos dela até que ela ficasse envergonhada e cruzasse os braços por cima deles. Você é muito bonita mas não é assim que vamos chegar em algum lugar. Você sabe que eu sou noivo de alguém. Você mesma tem um namorado. A gente terminou semana passada. Eu não posso dar o que você quer, mas você pode trabalhar pra mim. Quer ficar rica não é? Está disposta a tudo?
Não quero me prostituir. Eu respirei fundo e pensei muito antes de falar. Bota uma camisa, eu não consigo parar de olhar pros seus peitos. Ela corou. Não sei porque lembrei da minha mãe. Ela faleceu eu ainda tinha seis anos, dois meses e treze dias. Quase não lembro do rosto dela. A voz é fantasmagórica.
Minha mãe era do tipo servidora pública e fumava dois maços de cigarro por dia. Ela queria que eu fosse médico. Desde que minha mãe morreu, ligada à aparelhos de oxigênio nunca mais fui o mesmo. Quando tinha dezesseis anos já tinha dinheiro para não precisar trabalhar mais nunca. Como não posso colocar esse dinheiro no banco, crio alternativas para limpar o dinheiro sujo. Hoje eu tenho 144 imóveis em nomes de laranjas só na cidade de São Paulo. Hoje, quer dizer, década de 90.
Sou dono de quatro cartéis de taxistas e de duas empresas de transporte público. Sou acionista do metrô, tenho 33 lojas de carro espalhadas pela cidade, duas faculdades e uma empresa de segurança privada. Eu quero um banco ou uma financeira. Sonhar nunca é demais.
E ainda tem muito dinheiro que eu não sei nem o que fazer com ele. Guardo as notas em um depósito, enterrado em um subsolo secreto, protegido contra a umidade, calor, água e fogo. Eu sempre ando com mais ou menos meio milhão disponível. Na minha conta bancária o maior saque que já fiz foi de duzentos reais. É sempre bom ficar esperto com o sistema.
O próximo passo é conseguir financiar a carreira de algum político. Essa enfermeira pode ser útil. Quando terminamos de pintar, tomamos banho separadamente e paguei um jantar caro pra ela. Obrigado pela ajuda. As vezes eu gosto de fazer o próprio trabalho. Eu quero trabalhar com você. Me passa o seu celular. Eu vou te ligar.
Agora falta duas horas para encontrar meu bebê. Já era pra moto ter passado. Lá vem ela. Vai, vai, sobe logo porra. Depois eu explico, vamo! Não precisava explicar nada. Vàrias sirenes tocavam a sinfonia do desespero. Mas essa daqui já passou por coisas piores. Entramos num beco, deixamos a moto na porta e corremos para o esgoto.
Eu fiz o serviço, estava tudo como planejado. Dai quando eu liguei a moto pra sair chegaram as viaturas. Falou tremendo enquanto tentava acender o cigarro. Você fez aquilo que eu te pedi? Tá, ele tá dormindo no inferno uma hora dessas. Então ache  um jeito de fugir. Eu não posso ficar aqui a noite toda. Tenho um encontro com minha namorada. Ela riu. Eu você nunca chama pra sair né? Qualquer hora quem sabe, respondi. Comprar rosas e passar um perfume no corpo. Depois dessa noite vou para a Capital do pais. Vou para qualquer lugar onde eu possa desenvolver minha empresa. Porque eu lembrei da minha mãe?

Crônica improvisada.

Thursday, 17 December 2015

Estação IV

Próxima estação: Paulista - Desembarque pelo lado direito do trem. Dia 24 de Dezembro costuma trazer aquela lembrança cheia de nuvens cinzas. Acordei cedo, escovei os dentes, olhei as mensagens e ligações no celular e me preparei para andar.
Os raios solares vão me encontrar em breve. Passo numa padaria e como um misto-quente com pingado. Como essas gorduras que vendem na rua são deliciosas. Passo na banca de jornal e compro um jornal. Não gosto de ficar no metrô olhando para a cara indiferente dos outros.
As notícias são as mesmas de ontem. Crise política, falta de amor, desassossego da alma, obsessões compulsivas, salsas vienenses e críticas de filmes e livros. Dou uma olhada no caderno de esportes.
Quando o jovem maquinista do trem anuncia que chegamos à Avenida Paulista. Eu já passei por aqui antes. Poderia ir direto pela rua Consolação mas meu inconsciente achou satisfatório uma caminhada pela Avenida Angélica.
Quando eu era um menino desses com bochechas grandes e vermelhas, calças curtas e com os lábios grudados de doce, costumava fazer caminhadas com meu avô por aqui. Lembro que Av. Angélica foi um dos lugares que passávamos. Hoje estou indo sozinho visitar meu avô.
Depois que as pessoas morrem fica uma saudade frustrada, um desejo apagado e renitente de acompanhar a alma da pessoa. Meu avô era um ótimo homem.
Vou por trás. Vou pegar as ruas Pará e Mato Grosso. Não estou mais com tanta pressa. Lembro que nos natais o vovô sempre fazia uma surpresa especial para mim. O que eu mais gostava era sua habilidade e técnica como manipulador de marionetes. Ele construía os próprios bonecos de madeira e os encordoava na altura da boca e das mãos, algo de corda nos pés. É a lembrança mais feliz de Natal que tenho.
Não fui no enterro do meu avô. Como também não fui no velório da minha outra tia. E de nenhum outro familiar ou parente. Não gosto do clima mórbido de funeral, acho absurdo comerem bolo e salgadinhos ao lado de em ente desprovido de alma. No fundo eu acho mesmo que tenho algum bloqueio com funerais. Algum pressentimento ruim em relação à morte.
Compro umas flores violetas e brancas, além de uma única Dama da Noite, a flor favorita do vovô. Não tem quase uma folha balançando ao vento na cidade hoje. Ou ainda é muito cedo. Como é véspera de Natal a maioria das pessoas deixa para o último instante, quando os produtos estão no limite exorbitante da extorsão e o tempo que se perde em filas intermináveis não compensa.
Vovô era militar. Nasceu na Itália e saiu de lá em 1923, vindo para o Brasil e casando com uma camponesa chamada Margarida, minha avó materna. Durante a década de 40, serviu junto com a força aérea brasileira, e voltou para o seu país natal para exterminar fascistas. Acho que por isso eu sempre também admirei meu avô. Apesar de militar ele era anarquista. Defensor de liberdades e tudo o mais. Dizem que as pessoas boas morrem cedo. Meu avô morreu aos 96 anos, enquanto dormia de uma parada cardiorrespiratória. Os médicos disseram que uma veia entupiu causando o ataque.
Margarida ficou com uma boa pensão do finado militar. Hoje ela não sabe de mais nada. Vive numa cadeira observando a irredutibilidade do nada. Que volta do nada a copiar mais nada. Qual o nome daquela doença que faz você esquecer até de você mesmo? Não lembro agora.
É a primeira vez que venho visitar o Senhor. Desculpe por não ter ido ao seu enterro. Não poderia suportar sua imagem estirada no leito frio e sombrio. Preferi guardar na memória aquela fotografia do velho amigo sorridente, contador de piadas e fazedor de troças.
Eu sei que o senhor está bem e que vai entender minhas dificuldades. Queria ficar mais. Tenho compromisso com a tia Margarida, que mandou muitos beijos e abraços para você. Ela com certeza sente muito sua falta. Não, ela não voltou a falar depois que o senhor se foi.
Não vovô, ainda não fiz netos. Estou tentando me estabilizar na profissão, crescer na carreira. O que eu faço? Acho que o senhor me conhece melhor do que ninguém. ...
Fiquei no Cemitério dos Protestantes até às 13h01. Peguei o metrô  e fui almoçar na Liberdade. De lá fui até o supermercado, peguei uma mochila lá dentro, arranquei as etiquetas e os alarmes que apitam na saída, e enchi a mochila com: Vinho, queijo parmesão, azeite virgem, um Chester e um peru, além de uma montão de chocolates suiços. A Mochila ficou bem pesada.
Cheguei no caixa com a mochila nas costas, sem nenhum produto e pedi um maço de cigarros. O segurança olhou pra mim e eu o cumprimentei com um piscar de olhos rápidos e um leve abaixar de cabeça. Ele respondeu simpático, peguei o maço de cigarro, disse não querer meu CPF na nota e parti para casa da vovô.
Quando se está bem vestido e se é branco, ninguém desconfia de você. Economizei uns duzentos reais furtando esses produtos no mercado. E eu faço isso com muita frequência, em várias lojas diferentes. Não acho errado roubar de quem rouba dos outros. E é sempre bom fazer uma economia.
Próxima Estação: Sumaré - Desembarque pelo lado direito do trem - O metrô vai funcionar limitado durante o período de Natal...As vezes eu gosto de sair sem carro. Economiza com combustível e não me deixa com as pernas formigando para ir embora de algum lugar.
Vovó Margarida não fazia mais nada. Quatro enfermeiras revezavam turnos para tomar conta dela. Dar banho, trocar, dar sopa na boca. Tia Margarida, como era costume chamar nos tempos de criança, parece ter uma tristeza ensurdecedora diante de seus olhos.
Ajudo com os afazeres da casa, lavo uns pratos, passo um pano no chão e preparo a ceia de natal. Fico das 17h02 minutos até às 22h42 minutos para terminar a ceia. Minha namorada ligou várias vezes, mas não atendi sob o risco de deixar alguma coisa queimar.
A enfermeira que tratava da minha avó no período noturno parecia uma modelo dessas revistas masculinas. Usava um sapatinho baixo de pano de camurça azul. Uma calça jeans branca colada, que dava um realce especial para suas coxas fortes, bem trabalhadas e aparentemente duras. Nunca se sabe como é o corpo de uma mulher por baixo de um jeans. Nunca se sabe o que existem por dentro de uma mulher.
De resto uma camisetinha top bege, com um bordado no lado esquerdo do peito Home Care e o  nome da empresa que ela trabalha. Meu nome é Carlota. Ela falou, falou, falou, enquanto eu cozinhava. Sem que eu pedisse ela quis me ajudar a fazer as comidas. Disse que era quase formada em Enfermagem pela USP e que esse trabalho fazia parte de um programa de estágio.
Também falou que não quer passar o resto da vida limpando merda de paciente em hospital. Seu objetivo é ser chefe de enfermagem em algum grande hospital particular. Sabe Inglês, Chinês, Espanhol  e já fez várias viagens de intercâmbio para o exterior.
Ela queria me dar o currículo. E talvez algo mais. Quando fui ao quarto da vovó dei uma fuçada nos criados mudos e penteadeiras cheias de espelhos e móveis históricos até encontrar o boleto de pagamento do serviço de enfermagem. Esse estágio está pagando até que razoavelmente bem.
O senhor é casado? Perguntou enquanto estava ao meu lado na pia, e pude sentir um perfume forte de flores silvestres atacar minhas narinas e meu bom senso. Não respondi e ela abaixou a cabeça, envergonhada. Desculpe. O senhor é muito bonito.
Meu terno Hugo Boss é elegante. Meus óculos Dolce and Gabbana. Relógio de platina. Se eu não for bonito assim, ninguém vai ser. Ela me contou toda a sua vida, como veio de uma família de classe média no Paraná, como seu pai vivia cobrando pra que ela se formasse logo, o ex-namorado gracinha que ela diz amar até hoje, o qual dormia sempre de conchinha com ela, e quando era de madrugada e ela viajava nas alturas do sono etéreo, o namoradinho tirava sua calcinha de lado e mandava ver.
Ela acordava de manhã grudada e não sabia porque. Vai ver nem ela acha que comer alguém dormindo é anormal. Disse não gostar do nome Carlota. Antiquado e fora de moda. Feio, ela achava o próprio nome feio.
O senhor tem telefone? Pedi para ela colocar tia Margarida na cama e comemos, eu e ela sentados à mesa, em silêncio. Seu turno vai até de manhã? Ela respondeu que sim. Falei que ia no posto de gasolina abastecer e caso minha noiva aparecesse para ela explicar a situação e pedir pra ela esperar. Ela concordou.
Antes de sair coloquei umas bolas vermelhas na árvore de natal. Pedi para ela terminar de decorar, caso se sentisse sozinha. Desço três ruas abaixo e uma moto está no aguardo. Subo na garupa, boto o capacete e vou encontrar um sócio, amigo número um do Cebola que está doente para saber quem matou o comparsa. Eu disse ter uma pista e que hoje a noite iria com ele desossar o maldito.
Enquanto eu disparava a arma na cabeça desse filha da puta, o celular tocou. Oi amor, desculpa não esperar você, é que meu sócio perdeu um documento importante e...Ela não deixou eu terminar de falar. Disse que me amava. Já estou indo te dar um cheiro e um abraço gostoso minha linda. Agora tenho que carregar esse saco humano para o porta-malas de um Citroen Xsara Picasso. Não disse isso. Do outro lado da linha ela imaginando o príncipe romântico. Desse lado eu botando o corpo do amigo do Cebola na van preta. Pode levar e seguir o procedimento. Pneus? Perguntou o menino de 12 anos. Respondi fazendo um gesto com a cabeça e falei para ele não esquecer de arrancar os dentes com alicate.
A essa altura a enfermeira deve estar dando em cima da minha namorada. Preciso voltar logo pra casa da titia Margarida. Quero encher minha amada de beijos. Não quero nenhuma estudante precipitada em lancinante volúpia para com minha gata. Já é Natal e eu vou fazer um teatro de marionetes pra elas. Depois vamos passear, beijar, tomar sorvete, ter uma leve DR, almoçar na casa do seu Zé de tarde. Preciso voltar logo para a Capital. Ficar em São Paulo é até legal. Mas tem muito prédio. Barulho. Vizinhos. Coisas e pessoas estranhas que eu nunca vou entender. Brasília. Síntese das artes e da corrupção. Seu solo é sagrado e teu céu límpido e amplo. Sonhar na Capital do País. Oi amor! Que saudade! Que abraço gostoso!

Crônica improvisada

Tuesday, 15 December 2015

Estação III

Próxima estação: Sé - Desembarque pelo lado esquerdo do trem. Eu me perguntei se a moça repete toda vez o nome das estações ou se é apenas uma gravação. Desembarque se puder na Praça da Sé. São exatamente 17h17 minutos e eu decidi fumar um no centro da cidade velha antes de ir trampar.
Uma par de bicho cruza comigo pedindo isqueiro, cigarro, fósforo, latinha, canal, becos, nomes.
Faço cara de mal, coloco as mãos no bolso e tento parecer cruel.
Próxima estação, Largo da Batata. Achei um ambiente muito pesado pra fumar um no centro da cidade. Cheio de power ranger pra cima e pra baixo. Não dá pra vacilar, ainda vou chegar no horário.
Aqui na Zona Oeste nada é padronizado. Ao dar um rolê pelo Largo da Batata percebo como Pinheiros mudou dos anos noventa pra cá. Pavimentaram algumas calçadas, iluminaram algumas ruas e vielas, mas o ambiente continua o mesmo. Bórdeis e botecos onde se acha pinga quase de graça. Ninguém quer perder oferta, e se o governo legaliza o álcool nenhum cidadão bota defeito.
Trabalho de motoboy numa pizzaria do Butantã do período das 19h30m às 3h30m da manhã, enquanto ainda tem gente fazendo pedido. Daqui a gente entrega em todo lugar e para os públicos. Da rua Bica de Pedra ao COPAM. Moradia estudantil, Vila Madalena, Pompéia, Jardins, Cidade Universitária, Pinheiros, Morumbi são alguns dos lugares que eu voou com a minha 150 cilindradas para entregar deliciosas pizzas.
Ao chegar há uma lista de entregas pra fazer. Mal tenho tempo de conversar com colegas, passo pela cozinha tomo uma água enquanto alguns enrolam e batem a massa, outros lavam pratos, ainda todos de boné, aventais, luvas, gorros, toucas, máscaras, levando pizzas ao forno, preparando molho. O cheiro estava ótimo com sempre. Mas hoje é um dia para ralar. Eu vou até o vestiário e coloco uma roupa que possa me proteger do frio. Recolho os bilhetes e já programo o GPS para me indicar a melhor ordem de entrega. E eu fico acima, correndo pra cima e pra baixo na marginal, ao lado de carretas em alta velocidade, ou mesmo quando o trânsito para e meu coração acelera junto com minha mão, que reza para Deus que eu possa voltar pra  casa. Queria ter estudado, feito um concurso pra não ficar ralando de bola de meia como motoboy.
As burguesas nem olham para mim. Sou um cara magro e fraco, elas gostam dos mais fortinhos. Não chamo atenção de nenhuma garota. Gosto de fazer entregas no Morumbi. Os clientes são ricos e 90% das vezes dão gorjetas altas, assim, sem mais nem menos. Já fiz mais de mil reais em gorjeta em única noite fazendo entregas no Morumbi. Aproveito e faço uns contatos extras. Se precisar de alguma coisa a mais fora a pizza pode ligar no meu celular. Eles sempre ligam, curiosos  quanto as novidades que tenho a oferecer, no meu trabalho diurno. Como a música do Tupac, "I got the weed and the coke, what do you need, what you want?" Como não sei inglês busquei a tradução no Google.
Gosto de trabalhar para os ricos. São leais e pagam sempre na hora. A classe média em geral nem pensa em dar gorjeta para entregador de pizza. Eles acham que realmente fazemos parte dos famigerados 10%. Um ou outro bom samaritano dá uns cinco reais quando tá de bom humor. Boa noite garoto, vai com cuidado. Obrigado senhor, fica na paz divina. É sempre assim.
A verdade é que eu arrisco minha vida nas ruas de São Paulo durante a noite porque eu tenho que trabalhar. Fica mal vagabundo que fica de dia na quebrada só ganhando o movimento e sendo ganhado pelos dedos de gesso. A verdade é que meu salário assinado em carteira é menor que um salário mínimo, quinhentos reais líquidos. O mais eu recebo por entrega. Quanto mais eu entrego, mais eu ganho. Não reclamo pois recebo gorjetas altas pelo menos duas vezes por semana. O que ganho com as entregas rápidas é um pouco mais da metade do meu salário líquido.
Dá pra pagar o aluguel, a conta de água e luz, a internet, o plano especial do celular, e quem sabe investir um dinheiro em outra empresa. Hoje é meu penúltimo dia de trabalho nessa pizzaria. Tenho uma entrega especial a fazer. Amanhã vai ser beber até cair com os colegas. Ou segunda-feira que a pizzaria não abre.
Sou eu novamente em um condomínio de luxo do Morumbi. Ninguém questiona a minha entrada, e quando digo que tem uma entrega para o apartamento número tal, o segurança nem olha na minha cara. Assistia a um vídeo pornô. Devia estar batendo uma escondido. Ele abriu a porta para eu pegar o elevador. Olhei pelo reflexo do celular que tipo de vídeo o segurança assistir. Era um travesti comendo outro.
Quando cheguei ao apartamento uma deusa oriental abriu a porta, coberta com uma fina camisola transparente. What do you want? Ela perguntou. Não entendi nada, só disse que era entrega de Pizza. We have ordered nothing. Please leave me alone or I will call the police. Polícia. Acho que em qualquer língua essa palavra significa a mesma coisa: problema.
Primeiro pensei nos mortos de fome da Polícia Federal. Vivem às custas de migalhas de tubarões maiores do que eles, os quais nenhum lava jato pode limpar. A corrupção é estrutural e no limite a própria polícia trabalha para o sistema. Um sonho passageiro que tive durante um milésimo de segundo. Será que ela é do FBI? Ridículo. Quem me pagou pra fazer isso é aliado das antigas, gente que ainda pode se confiar no mundo do crime. Ele não ia me botar numa cilada.
A essa altura eu já estava dentro do apartamento com o cano da arma dentro da boca da japonesa. Se você falar alguma coisa eu te mato. Ela falou alguma coisa como se estivesse fazendo sexo oral na arma. Você vai ficar em silêncio? Disse bem devagar enquanto retirava o cano da arma de sua boca. We don't have any cash in here. Cash, palavra universal que significa grana. Você fala português? I am sorry but I do not. Perhaps I can understand what you say very well.
Desgraça! O que será que ela disse? Onde está o Senhor _ _ _ _ ? He's coming from work. He's late because he went to joy his friends in some famous house, I don't know where. Eu uso a frase mais simples em inglês: What's your name? Ela olhou pra mim e disse I am Suzanne Akira, CEO of Western Oil Corporation. And you? Ela parece muito fria. Está esperando um momento em que eu possa vacilar. Perguntou quem sou eu. Eu sou o perigoso coletor de almas. Sou um mensageiro como o deus Hermes. Pensei, para não perder a atenção e o foco no porque eu estou aqui.
Ainda há pouco ela deixou a perna aberta de propósito, enquanto tentávamos conversar nos sofás de couro preto. Ela abaixou para pegar um lenço e deixou a aba da camisola cair, levantou o corpo com o seio direito à mostra, um mamilo duro e excitado, fez de conta que nem percebeu o desleixo, secou a maquiagem perto dos olhos, que estavam manchadas de lágrimas. Acho que nunca vi um seio tão belo em toda minha vida. Tentei não encarar e não ficar próximo. Peguei uma bebida para nós.
Quando voltei do mini-bar com as bebidas na mão e gelo, ela já havia arrumado a alça da camisola. Are you going to kill my husband? Kill, isso me lembra o filme do Tarantino, onde o sangue escorria a solto.
No kill. Only love. Ela riu e deu um belo gole no Gim. Você é japonesa? Ela disse que meio japonesa meio americana. Isso eu pude entender. Half american, half japanese. Ela sabe que estou armado, que provavelmente vou dar um tiro na cara do marido dela, mas mesmo assim ela se insinua como uma cobra, seus movimentos são sorrateiros, seduzem meu olhar e faz com que eu me pergunte que tipo de tesão é esse. Tesão pela morte. Só que eu não quero morder a maça.
Meu pau ficou duro e grosso, mas eu bebi um Conhaque e outro e outro e logo fiquei calmo. Não posso transar com ela. É a cilada perfeita para ela pegar minha arma e dar um tiro em mim. Ou ainda para me acusar de tentativa de roubo, estupro, homicídio e uma pena perpétua na cadeia. Eu conheço bem os segredos de Mefistófeles.
Como sempre ando com substâncias narcóticas, um comprimido de Diazepam veio a calhar. Coloquei no suco com uma leve pitada de Vodka. Ela apagou em alguns minutos. Peguei ela no colo como se fosse minha irmã, e coloquei ela cuidadosamente na gigantesca cama de casal rosa. Tapei seus ouvidos com silenciadores que estavam na cabeceira, junto com um tapa-olhos. Deixei ela coberta por um edredom verde cheio de listras que estava tão cheiroso que tive vontade de deitar.
Não o fiz. Dei um beijo na testa dessa agradável pessoa, apaguei a luz do quarto saí. deixei ela a roncar. Apaguei todas as luzes do apartamento e me perguntei se o segurança não notou que até agora minha entrega está em andamento.
Coloco o silenciador na arma enquanto aprecio a beleza de um piano de cauda preto. Imaginei aquela musa japonesa tocando alguma obra de Chopin. É o único músico que eu ouvi falar que toca piano. Não sei nada disso. Ouço um ruído na porta. Um cartão magnético está sendo passado do lado de fora.
Fico escondido atrás da cortina. Ele entra e fecha a porta. Acende a luz e joga o casaco no sofá de couro preto. Pega uma bebida, tira a gravata e o sapato, coça o saco e a bunda, e senta no sofá de couro preto. Eu apareço entre as cortinas. Com a arma apontada na direção dele. Ele deixa cair o copo de uísque no tapete persa. Não chega a ser um problema para a vizinhança. Três tiros na cabeça, dois no tórax e um no estômago.
Não deveria ter parado para pensar. Enquanto trocava de roupa, incinerava as roupas de motoboy no enorme forno holandês da cozinha. O disfarce estava perfeito e eu iria até sair com o carro do bacana. Mas agora tenho uma outra preocupação. Se a polícia chegar lá e achar o corpo e ela dormindo certamente vão partir de pressupostos machistas.
Decidi não deixar que isso acontecesse. O que aconteceu com o Senhor _ _ _ _ foi apenas um acerto de negócios. Não tenho nada contra a senhora Akira. Saio no corredor e pego o elevador, com ela no meu colo, já com blusa por cima da camisola. Quando chego no quarto andar, começo a gritar pedindo ajuda. Chega um funcionário de longe eu digo que estou no quarto tal, que ela sumiu e eu fui procurar ela no condomínio e quando a encontrei aqui no quarto andar ela desmaiou surpresa.
Fiz cara de coitado e o funcionário achou que eu fosse um corno chifrudo sem vergonha. Ficou com pena de mim e ajudou a carregar ela até o andar térreo. De lá chamaram uma ambulância, na qual eu entrei, acompanhado com ela e dizendo para os médicos que era o marido. A enfermeira segurou minha mãe, que começava a suar um pouco. Eu amo essa mulher. Pode ficar tranquilo senhor, não é nada de mais. Heróis. Muitas pessoas me viram como herói. Acho que é essa calça de quarenta mil dólares.
Deram glicose pra ela e em poucos minutos ela acordou. Já estávamos em outro mundo. Saímos do hospital e fomos tomar uma cerveja no bar. Conversamos até o raiar do dia. Ela sabia o que eu tinha feito e parecia feliz com isso. Depois que fui embora parei para me perguntar se não fora ela a verdadeira contratante desse serviço. Afinal de contas, negócios  são negócios. Com a morte do marido ela passa a controlar parte das empresas dele no Brasil. Ou eu andei assistindo muito novela das oito no horário nobre.
Durante o dia eu sou um gatinho que trabalha dentro do próprio apartamento. De noite eu sou um quebrado que trabalhava de entregador de pizza. Mas nem todo trabalho é pra sempre. As câmeras me filmaram? Claro que não. Essa foi a primeira parte do plano. Desligar todas as câmeras do quadrante que envolveu minha ação. E foram muitas quadras. Quando se trabalha sério sempre tem emprego. Pra não dar na cara apareci no meu último dia de trabalho na pizzaria, e para minha sorte tive uma entrega no mesmo prédio onde saiu no jornal que um cara se matou. Meu último dia de trabalho porque às 23h40m tenho que pegar meu voo para a Capital do Brasil. Ser invisível aos olhos da lei não é fácil. Vou arrumar outro serviço. Mas hoje estou de férias.

Crônica improvisada.

Estação II

Próxima estação: Terminal Jabaquara - Acesso à rodoviária e ao aeroporto - Não contribua com o crime. Não compre produtos vendidos dentro do trem. A central agradece e deseja a todos boa tarde. Por favor não permanecer nos vagões. 14h22m horário de Brasília. Ao sair pela escada rolante um exército de ambulantes vieram oferecer água, cerveja, refri, churrasco, cocaína e maconha. Disse que estava devagar mas com pressa. Os aviões passam tão baixo na rua que até tirei um self parecendo com uma queda de avião. Publiquei nos grupos sociais e logo todo mundo tava divulgando um acidente que nunca aconteceu.
As aeronaves são um meio de transporte seguro. Pego um táxi para livrar-me da muvuca e vou até o Campo Limpo encontrar um amigo, vulgo Cebola. Meu compromisso com meu sogro é apenas durante o jantar. Aproveito o dia e ando pelo bairro, revejo caros amigos como Didi e Cabeção, Juninho e Dandara. Pati, Chulé, Negão, e Sobrinho. Chamei o Caique pra bater uma bola. Aqui na Zona Sul é assim, sempre é necessário o respeito e a coletividade. A comunidade resiste na solidariedade. Ninguém fica de cara fechada ou alienado quanto à pobreza do outro.
Os pivete da laje Nando, Mauricio e Di menor gritavam meu nome lá de cima e faziam sinal com a mão, onde um cigarro bolado com erva verde da boa mandava na roda. Abracei todo mundo, fui zoado na maior amizade por ter desaparecido. Passaram a mão na minha bunda. Solta o preso e corre o beck.
Disse que não podia ficar. Perguntaram o motivo e eu inventei qualquer coisa porque a Angela estava lá. Ela sempre gostou de mim, desde que a gente era criança; A angela é o tipo da mina gente fina, que desde a infância sempre esteve ao meu lado e do lado de quem precisa. Quando eu cresci e precisava ser ouvido, era sempre ela. Tem pessoas que são abençoadas e nem desconfiam disso.
Como eu sabia que ela me amava nunca quis brincar com isso. Valorizei o sentimento dela pois sabia que jamais poderia retribuir. Sempre rezei pra ela achar um cara bacana. De vez em quando, enquanto todo mundo tagarelava na laje, comiam churrasco, brincavam e dançavam e rim, o olhar cheio de brilho dela se encontra com o meu. Fico envergonhado pois também gosto dela. Mas sei que não a mereço e que no fundo ela vai encontrar alguém.
No futebol foi como nos velhos tempos. Ao vestir a camisa vermelha número 6 eu encarnei o meu papel. Sempre gostei de jogar na lateral esquerda. É uma posição intermediária entre a defesa e o ataque. Então eu gosto de subir e descer o campo marcando, dando passes, construindo jogadas pela ponta, desviando a atenção dos adversários.
Meu futebol é simples e seco. Não sou nenhum craque mas gosto de jogar com classe, no estilo Ronaldinho Gaúcho ou Zidane. A primeira jogada matei a bola no peito, ajeitei no pé direito e toquei com o lado externo do pé para o volante, que logo me devolveu. Trocamos passes e fizemos o one-two e passei correndo para o ataque. Cruzei a bola na área, o atacante recebeu mas não soube definir.
Não marquei gols mas joguei bem. Lancei bolas incríveis para meus camaradas além de bater uma falta que zuniu no ângulo da trave.
Já eram 17h02 quando eu entrei no carro e fui até o mocó dos aliados. Um golf preto e rebaixado. Combinamos tudo certo enquanto os rapazes cortavam os pacotes marrons cheios de pó. Ele falava rápido e nervoso que em breve ia sair da merda. Cebola: na infância ele roubava bolacha recheada do mercado e distribui pros moleque pobre. Mas agora sua idéia é Que com um kilo de poeira branca na capital ele fazia cem mil. Que ia comprar uma Hylux e ir para praia comer todas as patricinhas. Senti algo estranho em relação ao seu futuro, e principalmente em relação a mim. Cheirar tanto pó tava deixando meu amigo na nóia. Ele me olhou com desconfiança mais de uma vez.
Próxima Estação: Corinthians-Itaquera - Desembarque pelo lado direito do trem. Não vou chegar atrasado para o jantar com meu sogro. Da Zona Sul até a Zona Leste tem muitas histórias. Meu sogro. Ele é um cara que trabalha no escritório de contabilidade, avarento, careca e com duas pontes de safena para demonstrar seu vigor no trabalho. Dedicado, quase careca, com uma barriga dura apontada para frente, meu sogro é do tipo do cara que gosta de tudo certinho.
Eu não poderia deixar de marcar presença com ele, afinal de contas seu desejo último é saber se eu sou um cara honesto e capaz de sustentar a filha dele. E como sabemos que roupas falam mais do que palavras, sempre vou vestido como um playboy. Chego de carro novo com uma champagne e os ingredientes para fazer o jantar.
Ao encontrar com minha namorada ela me dá um abraço e um beijo no rosto. É sempre bom respeitar os pais. Pego na mão dele com firmeza, sorrio, olho nos olhos dele e fala seu Zé. Como é que tá essa correria? Daí ele começa a falar do trabalho. Fomos para a cozinha preparar o galeto. Eu cortei e limpei a ave, dando os primeiros passos para temperar ao som de J. S. Bach, umas sonatas que meu sogro aprecia.
Seu Zé fazia as saladas  e o arroz, enquanto eu ia rindo do que ele falava e tomando cerveja. Eu estou quase se formando seu Zé. Quando acabar a faculdade de administração vou fazer uma especialização lá no estrangeiro. A parte ruim é que eu vou morrer de saudades de uma pessoa. Ele olha pra mim e diz jocoso: de mim não é? Claro seu Zé, o senhor tem sido como um pai pra mim. Enquanto coloco o galeto no forno.
Tomamos umas taças de champagne e comemos uns petiscos, até ela perceber que não tinha pimenta. E o velho não come sem pimenta. Eu inventei uma desculpa esfarrapada de que meu sócio havia perdido o celular no meu carro, e que eu iria levar de volta. Se ele soubesse quem eu realmente sou, já teria enfiado a faca na minha garganta. Nunca entrei na faculdade. Sou formado nas ruas. A máscara é o que conta. É mais fácil para todos não saber a verdade. Muito melhor viver fingindo.
Ligo o carro e olho no banco de passageiros um frasco de pimenta. Carolina é o nome da marca que eu já havia comprado. Desço com o carro numa passagem estreita onde uma garota de menor me espera com a moto ligada. Coloco o capacete no rosto e verifico a trava da arma. Vamos voltar ao Campo Limpo rapidamente. Preciso deixar umas coisas a limpo por lá.
A garota que pilotava a moto era viciada nos três R's: Rivotril, Ritalina e Roupinol. Um garota linda de dezesseis anos, toda durinha e com um discurso contra o sistema. Seu piercing na língua me deixou tão excitado quanto a tatuagem de flor que cobria metade do quadril dela. Eu já ripei e fui presa, mas o juiz sempre me absolve. Ao olhar para ela assim, meio da rua ou de uma festa qualquer um a tomaria por flor. Um flor que oculta os espinhos escarlates. Porta voz de bandido. Ponta de beco. Sentinela. De menor. Os agentes do caos na quebrada. Seguimos viagem, ela a quase cento e cinquenta por hora.
Aquele amigo que me olhou com desconfiança é o Cebola. Ele foi desvirtuado da nossa proposta de vender para tomar o poder. Ele quer vender drogas para comprar Hylux, e prostitutas. O que ele disse pra mim, sem saber, é que em breve vai me matar. E esse tipo de ameaça não pode ficar sem resposta. O Cebola tava jogando bilhar e com uma garrafa de cerveja na mão quando cheguei a pé e dei dois tiros na cabeça e dois no peito. Pela frente como se costuma fazer os homens honrados. Alguém até pensou em sacar uma arma. Mas ficou só na ideia. Ele caiu que nem um saco de merda no chão, quebrando a garrafa. A moto passou logo em seguida, eu entrei e voltei até a passagem estreita para pegar o meu carro. Foi a viagem mais rápida que já fiz de Itaquera até o Campo Limpo.
Já havia se passado uns vinte minutos. Volto à casa do meu sogro com a pimenta, rimos bastante, comemos e ficamos jogando buraco e contando histórias da vida até de madrugada. Seu Zé é uma pessoa bacana e gosta de mim. Eu não considero ele como um pai de verdade, falo isso só porque ele quer ouvir, mas ele sim, me ama como um filho. Ou ama o que eu pareço ser para a família dele. Um homem de negócios bem sucedido. Ele dorme no sofá. Checo o meu Rolex e vejo que são 3h00m em ponto. Pego um lençol e cubro o velho. Minha namorada já foi dormir faz tempo. Ela não gosta da minha amizade com o pai dela. Disse que ele já foi muito cruel. Eu a consolei dizendo que todos os homens são cruéis. Nós nunca vamos entender o que é ser mulher. Você é linda. Eu digo pra ela. Gosto de fazer ela se sentir bem. Tomo um gole de água e vou até a varanda fumar um cigarro. O Cebola não vai perturbar os meus sonhos. Me arrumo no sofá já premeditando a viagem até a Capital do pais. Tenho que transportar meus produtos e fazer a empresa crescer. Que horas são agora? Não vou para de pensar?
 
Crônica improvisada

Monday, 14 December 2015

Estação

Próxima estação: Trianon - Masp - Desembarque pelo lado esquerdo do trem. A linha verde do metrô. Eu havia esquecido de como ela é confortável. Apesar da linha amarela ser mais sofisticada. Voltar à São Paulo foi como estar de volta em uma cidade de primeiro mundo. Eram umas 19h alguns minutos quando eu desembarquei. Um senhor usando um terno Armani marrom, com uma maleta chique aguardava à minha frente.
Eu estava usando um terno preto, com camisa branca e sem gravata. Cabelos negros curtos com alguns fios brancos lutando para aparecer. Charme de ator de cinema. Quem sabe chego aos quarenta com uma aparência de George Clooney. Durante a escada rolante arrumei meus óculos quadrados e elegantes, com a armadura também preta, com o nome da grife talhado em prata.
Carrego debaixo do meu ombro uma simples edição de Homero, traduzido por Haroldo de Campos, a qual leio alguns poemas durante um embarque-desembarque, entre uma olhada para as coxas da mulher de vestido de R$ 5.000,00. A linha verde tem um público que parece rico e excêntrico.
Ao passar por debaixo do MASP observo que os taxis continuam da mesma cor. Debaixo do vão livre alguns skatistas e estudantes de humanas fumam baganas com moradores de rua e outros transeuntes.
Entro no Museu mas não estou interessado nas obras. Na verdade pareço uma dessas figuras ávidas por arte e entretenimento, que ao ir ao museu, repetem a piada de Godard ao ficar um tempo horrendo de dez minutos dentro do museu. Dez minutos para observar todas as obras do Louvre.
A piada é boa, mas para isso você teria que ter assistido ao filme Band a Part. Meu celular está no silencioso. Faço o que tenho que fazer no museu, sem pressa e quando estou certo de pegar o táxi logo ali na Avenida Paulista, em um domingo sem futebol e com passeata de alguns riquinhos enjoados, encontro com ela, fazendo algum comentário esperto e hiperbólico sobre uma obra qualquer do museu.
Se desse para fugir eu o teria feito. Queria ter entrado no quadro, encenar que era o segurança do museu, mas a amiga dela me reconheceu e veio com um sorriso e um abraço em minha direção. A primeira coisa que eu pensei foi falsa. Como ela é descarada, se isso significar falta de caráter.
Disse meu nome em um tom mavioso, numa doçura ácida que foi acompanhada do clássico que bom te ver. Disse que o prazer era o mesmo, que foi uma ótima coincidência e elogiei uma saia vermelha brega com flores brancas decoradas que ela vestia. Como foi bom encontrar vocês. Disse cheio de empolgação e com um sorriso nada forçado na cara. Eu estava remoendo minhas entranhas de raiva.
A moça de vestido brega roubou minha ex-namorada  há alguns dias, assim, na minha frente, na cara dura, e eu não pude fazer nada a não ser ceder. Minha ex-namorada é a moça de óculos, cabelos escuros e curtos que fazia gestos afirmativos e eloquentes ao falar para a amiga da obra. Ela deu em cima da minha mina na minha frente e tudo o que eu pude fazer foi sorrir. Tem horas que o homem tem que aceitar seu papel de idiota no mundo.
Eu até fantasiei um ménage, mas a amiga e atual namorada da minha ex-namorada estavam lá e eu não tinha como fugir do embaraço ou fugir delas. Olho discretamente no relógio para não parecer que estou com pressa e vejo que já são 19h e mais alguns minutos. Em São Paulo as horas passam rápido. Eu não queria ter encontrado ela aqui, mas é melhor convidá-las para tomar um café. Já estava com a corda no pescoço, suando por dentro do terno, porque numa cidade tão grande eu tenho que encontrar com minha ex-namorada? E porque ela não estava sozinha para alegria do meu coração sonhador?
Meninas, a conversa está ótima mas eu vou ter que pedir a licença de vocês para ir ao toalete. É a desculpa que eu sempre dou. Como já havia pago o café, e aquela imagem da mão dela segurando a mão da ladra me causou um ciúmes espantoso. Taxi. Por favor me leve até os Jardins. Enquanto elas achavam que eu poderia estar cagando, me masturbando, me enforcando, na verdade eu corri como o papa léguas para longe dali. Não sei porque ao passar por uma dessas árvores com folhas brancas, lembrei de uma ex-ex. Uma ex que foi antes dessa ex que encontrei no museu e antes de outra ex que namorei uns dois meses. Isso não vai acontecer. Arrumo o terno e dou uma olhada no celular, pois o taxista nervoso não para de conversar. Medo de assalto. Ele fica falando de colegas que já foram mortos na rua e que se depender da vida dele, ele entrega tudo. Tinha um rosário pendurado no retrovisor e um adesivo azul com uma imagem de Nossa Senhora colada no porta-luvas.
O telefone toca. Olho pelo vidro do taxi e vejo uma imagem negra escrito GOE na porta. Faz tempo que não venho até São Paulo. Mas a necessidade faz um ser humano trabalhar. Desço nos Jardins e caminho até uma ruazinha arborizada onde há um sobrado com uma sacada enorme. São 20h30 minutos no horário de Brasília. As 23h40 vou pegar meu voo de volta para a Capital.
Começo a bater palmas em frente a casinha cor de salmão. Começo a gritar um nome aleatório, como João. Em menos de quinze minutos uma viatura da PM passou pelo lugar. Eu fiz sinal para o carro e o motorista parou. Boa noite senhores oficiais, eu estou tentando chamar um velho amigo meu, mas o celular dele não atende e estou a chamar faz alguns minutos. Os senhores não poderiam fazer a gentileza de ligar a sirene ou fazer algum barulho para que meu amigo acorde e venha me receber?
Um olhou para a cara do outro, todos desconfiados e com o desejo iminente de pedir meus documentos. Mas eu sei fazer cara de nerd inofensivo. Sei fingir muito bem. Ao sorrir para eles um cabo que estava sentado atrás perguntou se eu era português. Disse que sim, mas na verdade meus pais são portugueses e donos de uma indústria de óleo, qualquer mentira só para deixar eles impressionados.
Eles ligaram a sirene por um minuto, buzinaram e logo uma luz acendeu-se na casa. Eu agradeci imensamente os policiais e não fiz nenhuma menção de dar gorjeta, para não ofendê-los. Eles saíram e em menos de dois minutos uma mulher loira, despenteada apareceu na sacada. Boa noite senhora, me chamo fulano de tal e sou um velho amigo de João. Venho de Portugal à negócios e gostaria de tecer algumas palavras com esse coração fraterno que não vejo há tanto tempo. Não há nenhum João aqui, foi dando as costas para fechar a porta de vidro.
João era nosso apelido de faculdade. Ela hesitou um pouco. Foi para dentro batendo os pés no chão e deixando cair o lenço que cobria seu corpo. Infelizmente só vi parte da bunda, das coxas e o lado dos seios. A porta de baixo abriu. Um senhor carrancudo, usando um hobby vermelho vinho e fumando um charuto veio me receber. Quando ia pegar na sua mão, tirei a arma com silenciador do bolso e disparei duas vezes certeiras contra a cabeça e uma contra o coração. Enquanto a mulher loira foi chama-lo eu coloquei as luvas de procedimento cirúrgico que não deixam digitais. Segurei o corpo para que o barulho do baque não assustasse a moça. É impossível errar de tão perto. Ainda sentia o sangue escorrer quando peguei aquele corpo inútil.
Fechei a porta e fui até o quarto, onde ela estava nua e onde pude observar seu tenro e jovem corpo. Ela perguntou se já o tinha encontrado. Vi uma escultura em formato de máscara e alguns livros como Brecht e História do Teatro na prateleira. Eu não me incomodo com meu corpo. Pode olhar o quanto quiser, só não acho que seu amigo vai gostar disso. Melhor esperar ele na sala. Você é linda. É uma pena ter que atirar numa criatura tão inteligente e meiga. Um garrafa de uísque pela metade, umas pílulas e um pó branco sobre um espelho. Eu disse a ela que a amava. Foi o subterfúgio que usei para ter a distração necessária e poder colocar uma única bala naquela cabeça cheia de drogas. Como de costume larguei a arma no quarto e coloquei a mão da loira várias vezes em várias posições para que a perícia tivesse muitas dúvidas quanto ao suicídio. As solas dos meus sapatos são lisas, meu cabelo com um gel especial que não deixa nenhum micro-fio cair no chão. Saio pela porta dando boa noite aos convivas, caso algum vizinho estivesse por ali, passeando com o cachorro. Não quero ter que matar ninguém à toa. Vou até um bueiro estratégico que já havia pensado antes do trabalho e entro lá dentro. Troco de roupas e queimo todos os itens que usei para realizar este feito. Agora estou de camisa polo vermelha, cabelos loiros, sem óculos, sem barba de bermuda jeans e all star. Coloco um fone de ouvidos e saio do bueiro em outra parte do bairro. Pego um ônibus até algum lugar que me deixe próximo do aeroporto.
É hora de voltar e receber a outra parte do combinado. Próxima estação: W3 Norte - Brasília - Distrito Federal. Já é quase verão.
 
Crônica improvisada

Saturday, 12 December 2015

II

Ultimamente é moda, nos altos círculos intelectuais do Brasil, crer-se em qualquer coisa que qualquer um diz. Mesmo aqueles que são mais desfavorecidos economicamente incomodam o Estado. Protestar é moda. Vestir camisa da seleção brasileira e pedir intervenção militar. Apoiar o golpe político do PMDB em pró de um impeachment que só favorece uma casta econômica.
Apesar dos pesares o povo grita que é brasileiro com muito orgulho. Vou te processar por qualquer má conduta. Mesmo as poéticas. Combater o Estado, dentro do núcleo do poder é atividade perigosa.
Quem estava no Itamaraty quando começaram a jogar bombas, lá em 2013 sabe do que estou falando.
A novidade jornalística é que a recessão econômica vai piorar em 2016.
Eu não gosto de ficar pagando de intelectual, muito menos de professor de história. Mas os fatos são os mesmos para qualquer cidadão, suas interpretações é que podem diferir drasticamente, de acordo com o caráter e personalidade do leitor.
Se o leitor me odeia, não espero nem ser lido. E detesto aquele leitor que aplaude de pé a minha miséria, aquele que me dá audiência e faz do texto o sensacionalismo dramático que sustenta um orgulho fragmentado e ridículo.
O fato é que quando há uma maioria no poder com um mesmo interesse comum, os quais divergem completamente da política institucional, isto é, quando o interesse próprio de algum grupo é soberano dentro da instituição democrática. Para não ser muito metafísico vou ilustrar com um exemplo histórico: o nazismo.
O que acontece quando um grupo que se acha superior economicamente usa do poder legítimo da instituição para caluniar, reprimir, expulsar, excluir outro sujeito, que seja diferente aos interesses pessoais do grupo. E quando o sujeito reclama desse grupo incorporado à instituição, ele é logo calado por mecanismos burocráticos. A perversão do poder. A violência incorporada à instituição democrática. Você não pode ofender um funcionário público, mesmo que este lhe confesse abertamente ser racista, preconceituoso e luta por políticas de desintegração social.
Quem não tem medo de Judeu? Até hoje os incultos culpam o Estado de Israel, como resultado legal do término da Segunda Guerra mundial. Quem não tem medo de pobre? Ainda mais quando o pobre tem consciência de sua própria classe, e expressa isso tão clara e abertamente como se tivesse lido Marx.
Expulsar os judeus da cidade e coloca-los no gueto. Política econômica estratégica de exclusão social. Um grupo que tomava-se por superior racial, intelectual, histórica, genética e politicamente, que evocava o princípio da seleção artificial para eliminar sujeitos legítimos do interesse econômico dessa maioria que inventou esse direito. (Leis de Nuremberg).
Casar com judeu é crime. Expulsar os pobres de um contexto econômico e cultural sob o interesse de uma maioria institucionalizada e legitimada pelo direito. O que acontece quando várias pessoas que trabalham na mesma instituição repetem o mesmo discurso, sem nenhum nível de criticidade pelas ordens, sem nenhum questionamento de ordem moral, completamente ignorando o nível do outro, aplicável e existente apenas nos termos técnicos e nos editais lançados pelo Estado.
O que acontece quando um ser humano é expulso de seu contexto cultural acusado de pobreza? Voltar a experiência do nazismo para entender como os regimes democráticos ainda possuem esta estrutura administrativa: Se o policial não cumprir as ordens internas da instituição policial, ele perde o direito de trabalhar, pode ser preso, etc. Do mesmo modo o professor, o carteiro e todo o funcionalismo público.
Um leitor extremista poderia me acusar de estar sendo genérico, e que isto não se aplica a todos os casos. Mas o que eu digo tem relevância para o Estado, na medida em que o mesmo me ameaça com processos e penas pelos meus textos. E ainda há a crença no que eu digo. Pois bem, como não gosto de ficar fora da moda declaro que sou o Imperador Constantino. E isso por enquanto, pois como sou geminiano logo vou ser Napoleão Bonaparte. E podem acreditar nisso, como acreditam que sou terrorista, e julgam isso por verdade. Já que é verdade que sou terrorista, deve ser também que sou Prometeu, Centauro, Clarissa Lake ou qualquer uma das personagens que inventei, que não carregam nenhuma relação com minha vida pessoal.
Esse tipo de violência me incomoda. E o silêncio não é uma alternativa.