Monday 14 December 2015

Estação

Próxima estação: Trianon - Masp - Desembarque pelo lado esquerdo do trem. A linha verde do metrô. Eu havia esquecido de como ela é confortável. Apesar da linha amarela ser mais sofisticada. Voltar à São Paulo foi como estar de volta em uma cidade de primeiro mundo. Eram umas 19h alguns minutos quando eu desembarquei. Um senhor usando um terno Armani marrom, com uma maleta chique aguardava à minha frente.
Eu estava usando um terno preto, com camisa branca e sem gravata. Cabelos negros curtos com alguns fios brancos lutando para aparecer. Charme de ator de cinema. Quem sabe chego aos quarenta com uma aparência de George Clooney. Durante a escada rolante arrumei meus óculos quadrados e elegantes, com a armadura também preta, com o nome da grife talhado em prata.
Carrego debaixo do meu ombro uma simples edição de Homero, traduzido por Haroldo de Campos, a qual leio alguns poemas durante um embarque-desembarque, entre uma olhada para as coxas da mulher de vestido de R$ 5.000,00. A linha verde tem um público que parece rico e excêntrico.
Ao passar por debaixo do MASP observo que os taxis continuam da mesma cor. Debaixo do vão livre alguns skatistas e estudantes de humanas fumam baganas com moradores de rua e outros transeuntes.
Entro no Museu mas não estou interessado nas obras. Na verdade pareço uma dessas figuras ávidas por arte e entretenimento, que ao ir ao museu, repetem a piada de Godard ao ficar um tempo horrendo de dez minutos dentro do museu. Dez minutos para observar todas as obras do Louvre.
A piada é boa, mas para isso você teria que ter assistido ao filme Band a Part. Meu celular está no silencioso. Faço o que tenho que fazer no museu, sem pressa e quando estou certo de pegar o táxi logo ali na Avenida Paulista, em um domingo sem futebol e com passeata de alguns riquinhos enjoados, encontro com ela, fazendo algum comentário esperto e hiperbólico sobre uma obra qualquer do museu.
Se desse para fugir eu o teria feito. Queria ter entrado no quadro, encenar que era o segurança do museu, mas a amiga dela me reconheceu e veio com um sorriso e um abraço em minha direção. A primeira coisa que eu pensei foi falsa. Como ela é descarada, se isso significar falta de caráter.
Disse meu nome em um tom mavioso, numa doçura ácida que foi acompanhada do clássico que bom te ver. Disse que o prazer era o mesmo, que foi uma ótima coincidência e elogiei uma saia vermelha brega com flores brancas decoradas que ela vestia. Como foi bom encontrar vocês. Disse cheio de empolgação e com um sorriso nada forçado na cara. Eu estava remoendo minhas entranhas de raiva.
A moça de vestido brega roubou minha ex-namorada  há alguns dias, assim, na minha frente, na cara dura, e eu não pude fazer nada a não ser ceder. Minha ex-namorada é a moça de óculos, cabelos escuros e curtos que fazia gestos afirmativos e eloquentes ao falar para a amiga da obra. Ela deu em cima da minha mina na minha frente e tudo o que eu pude fazer foi sorrir. Tem horas que o homem tem que aceitar seu papel de idiota no mundo.
Eu até fantasiei um ménage, mas a amiga e atual namorada da minha ex-namorada estavam lá e eu não tinha como fugir do embaraço ou fugir delas. Olho discretamente no relógio para não parecer que estou com pressa e vejo que já são 19h e mais alguns minutos. Em São Paulo as horas passam rápido. Eu não queria ter encontrado ela aqui, mas é melhor convidá-las para tomar um café. Já estava com a corda no pescoço, suando por dentro do terno, porque numa cidade tão grande eu tenho que encontrar com minha ex-namorada? E porque ela não estava sozinha para alegria do meu coração sonhador?
Meninas, a conversa está ótima mas eu vou ter que pedir a licença de vocês para ir ao toalete. É a desculpa que eu sempre dou. Como já havia pago o café, e aquela imagem da mão dela segurando a mão da ladra me causou um ciúmes espantoso. Taxi. Por favor me leve até os Jardins. Enquanto elas achavam que eu poderia estar cagando, me masturbando, me enforcando, na verdade eu corri como o papa léguas para longe dali. Não sei porque ao passar por uma dessas árvores com folhas brancas, lembrei de uma ex-ex. Uma ex que foi antes dessa ex que encontrei no museu e antes de outra ex que namorei uns dois meses. Isso não vai acontecer. Arrumo o terno e dou uma olhada no celular, pois o taxista nervoso não para de conversar. Medo de assalto. Ele fica falando de colegas que já foram mortos na rua e que se depender da vida dele, ele entrega tudo. Tinha um rosário pendurado no retrovisor e um adesivo azul com uma imagem de Nossa Senhora colada no porta-luvas.
O telefone toca. Olho pelo vidro do taxi e vejo uma imagem negra escrito GOE na porta. Faz tempo que não venho até São Paulo. Mas a necessidade faz um ser humano trabalhar. Desço nos Jardins e caminho até uma ruazinha arborizada onde há um sobrado com uma sacada enorme. São 20h30 minutos no horário de Brasília. As 23h40 vou pegar meu voo de volta para a Capital.
Começo a bater palmas em frente a casinha cor de salmão. Começo a gritar um nome aleatório, como João. Em menos de quinze minutos uma viatura da PM passou pelo lugar. Eu fiz sinal para o carro e o motorista parou. Boa noite senhores oficiais, eu estou tentando chamar um velho amigo meu, mas o celular dele não atende e estou a chamar faz alguns minutos. Os senhores não poderiam fazer a gentileza de ligar a sirene ou fazer algum barulho para que meu amigo acorde e venha me receber?
Um olhou para a cara do outro, todos desconfiados e com o desejo iminente de pedir meus documentos. Mas eu sei fazer cara de nerd inofensivo. Sei fingir muito bem. Ao sorrir para eles um cabo que estava sentado atrás perguntou se eu era português. Disse que sim, mas na verdade meus pais são portugueses e donos de uma indústria de óleo, qualquer mentira só para deixar eles impressionados.
Eles ligaram a sirene por um minuto, buzinaram e logo uma luz acendeu-se na casa. Eu agradeci imensamente os policiais e não fiz nenhuma menção de dar gorjeta, para não ofendê-los. Eles saíram e em menos de dois minutos uma mulher loira, despenteada apareceu na sacada. Boa noite senhora, me chamo fulano de tal e sou um velho amigo de João. Venho de Portugal à negócios e gostaria de tecer algumas palavras com esse coração fraterno que não vejo há tanto tempo. Não há nenhum João aqui, foi dando as costas para fechar a porta de vidro.
João era nosso apelido de faculdade. Ela hesitou um pouco. Foi para dentro batendo os pés no chão e deixando cair o lenço que cobria seu corpo. Infelizmente só vi parte da bunda, das coxas e o lado dos seios. A porta de baixo abriu. Um senhor carrancudo, usando um hobby vermelho vinho e fumando um charuto veio me receber. Quando ia pegar na sua mão, tirei a arma com silenciador do bolso e disparei duas vezes certeiras contra a cabeça e uma contra o coração. Enquanto a mulher loira foi chama-lo eu coloquei as luvas de procedimento cirúrgico que não deixam digitais. Segurei o corpo para que o barulho do baque não assustasse a moça. É impossível errar de tão perto. Ainda sentia o sangue escorrer quando peguei aquele corpo inútil.
Fechei a porta e fui até o quarto, onde ela estava nua e onde pude observar seu tenro e jovem corpo. Ela perguntou se já o tinha encontrado. Vi uma escultura em formato de máscara e alguns livros como Brecht e História do Teatro na prateleira. Eu não me incomodo com meu corpo. Pode olhar o quanto quiser, só não acho que seu amigo vai gostar disso. Melhor esperar ele na sala. Você é linda. É uma pena ter que atirar numa criatura tão inteligente e meiga. Um garrafa de uísque pela metade, umas pílulas e um pó branco sobre um espelho. Eu disse a ela que a amava. Foi o subterfúgio que usei para ter a distração necessária e poder colocar uma única bala naquela cabeça cheia de drogas. Como de costume larguei a arma no quarto e coloquei a mão da loira várias vezes em várias posições para que a perícia tivesse muitas dúvidas quanto ao suicídio. As solas dos meus sapatos são lisas, meu cabelo com um gel especial que não deixa nenhum micro-fio cair no chão. Saio pela porta dando boa noite aos convivas, caso algum vizinho estivesse por ali, passeando com o cachorro. Não quero ter que matar ninguém à toa. Vou até um bueiro estratégico que já havia pensado antes do trabalho e entro lá dentro. Troco de roupas e queimo todos os itens que usei para realizar este feito. Agora estou de camisa polo vermelha, cabelos loiros, sem óculos, sem barba de bermuda jeans e all star. Coloco um fone de ouvidos e saio do bueiro em outra parte do bairro. Pego um ônibus até algum lugar que me deixe próximo do aeroporto.
É hora de voltar e receber a outra parte do combinado. Próxima estação: W3 Norte - Brasília - Distrito Federal. Já é quase verão.
 
Crônica improvisada

No comments:

Post a Comment