Tuesday 15 December 2015

Estação II

Próxima estação: Terminal Jabaquara - Acesso à rodoviária e ao aeroporto - Não contribua com o crime. Não compre produtos vendidos dentro do trem. A central agradece e deseja a todos boa tarde. Por favor não permanecer nos vagões. 14h22m horário de Brasília. Ao sair pela escada rolante um exército de ambulantes vieram oferecer água, cerveja, refri, churrasco, cocaína e maconha. Disse que estava devagar mas com pressa. Os aviões passam tão baixo na rua que até tirei um self parecendo com uma queda de avião. Publiquei nos grupos sociais e logo todo mundo tava divulgando um acidente que nunca aconteceu.
As aeronaves são um meio de transporte seguro. Pego um táxi para livrar-me da muvuca e vou até o Campo Limpo encontrar um amigo, vulgo Cebola. Meu compromisso com meu sogro é apenas durante o jantar. Aproveito o dia e ando pelo bairro, revejo caros amigos como Didi e Cabeção, Juninho e Dandara. Pati, Chulé, Negão, e Sobrinho. Chamei o Caique pra bater uma bola. Aqui na Zona Sul é assim, sempre é necessário o respeito e a coletividade. A comunidade resiste na solidariedade. Ninguém fica de cara fechada ou alienado quanto à pobreza do outro.
Os pivete da laje Nando, Mauricio e Di menor gritavam meu nome lá de cima e faziam sinal com a mão, onde um cigarro bolado com erva verde da boa mandava na roda. Abracei todo mundo, fui zoado na maior amizade por ter desaparecido. Passaram a mão na minha bunda. Solta o preso e corre o beck.
Disse que não podia ficar. Perguntaram o motivo e eu inventei qualquer coisa porque a Angela estava lá. Ela sempre gostou de mim, desde que a gente era criança; A angela é o tipo da mina gente fina, que desde a infância sempre esteve ao meu lado e do lado de quem precisa. Quando eu cresci e precisava ser ouvido, era sempre ela. Tem pessoas que são abençoadas e nem desconfiam disso.
Como eu sabia que ela me amava nunca quis brincar com isso. Valorizei o sentimento dela pois sabia que jamais poderia retribuir. Sempre rezei pra ela achar um cara bacana. De vez em quando, enquanto todo mundo tagarelava na laje, comiam churrasco, brincavam e dançavam e rim, o olhar cheio de brilho dela se encontra com o meu. Fico envergonhado pois também gosto dela. Mas sei que não a mereço e que no fundo ela vai encontrar alguém.
No futebol foi como nos velhos tempos. Ao vestir a camisa vermelha número 6 eu encarnei o meu papel. Sempre gostei de jogar na lateral esquerda. É uma posição intermediária entre a defesa e o ataque. Então eu gosto de subir e descer o campo marcando, dando passes, construindo jogadas pela ponta, desviando a atenção dos adversários.
Meu futebol é simples e seco. Não sou nenhum craque mas gosto de jogar com classe, no estilo Ronaldinho Gaúcho ou Zidane. A primeira jogada matei a bola no peito, ajeitei no pé direito e toquei com o lado externo do pé para o volante, que logo me devolveu. Trocamos passes e fizemos o one-two e passei correndo para o ataque. Cruzei a bola na área, o atacante recebeu mas não soube definir.
Não marquei gols mas joguei bem. Lancei bolas incríveis para meus camaradas além de bater uma falta que zuniu no ângulo da trave.
Já eram 17h02 quando eu entrei no carro e fui até o mocó dos aliados. Um golf preto e rebaixado. Combinamos tudo certo enquanto os rapazes cortavam os pacotes marrons cheios de pó. Ele falava rápido e nervoso que em breve ia sair da merda. Cebola: na infância ele roubava bolacha recheada do mercado e distribui pros moleque pobre. Mas agora sua idéia é Que com um kilo de poeira branca na capital ele fazia cem mil. Que ia comprar uma Hylux e ir para praia comer todas as patricinhas. Senti algo estranho em relação ao seu futuro, e principalmente em relação a mim. Cheirar tanto pó tava deixando meu amigo na nóia. Ele me olhou com desconfiança mais de uma vez.
Próxima Estação: Corinthians-Itaquera - Desembarque pelo lado direito do trem. Não vou chegar atrasado para o jantar com meu sogro. Da Zona Sul até a Zona Leste tem muitas histórias. Meu sogro. Ele é um cara que trabalha no escritório de contabilidade, avarento, careca e com duas pontes de safena para demonstrar seu vigor no trabalho. Dedicado, quase careca, com uma barriga dura apontada para frente, meu sogro é do tipo do cara que gosta de tudo certinho.
Eu não poderia deixar de marcar presença com ele, afinal de contas seu desejo último é saber se eu sou um cara honesto e capaz de sustentar a filha dele. E como sabemos que roupas falam mais do que palavras, sempre vou vestido como um playboy. Chego de carro novo com uma champagne e os ingredientes para fazer o jantar.
Ao encontrar com minha namorada ela me dá um abraço e um beijo no rosto. É sempre bom respeitar os pais. Pego na mão dele com firmeza, sorrio, olho nos olhos dele e fala seu Zé. Como é que tá essa correria? Daí ele começa a falar do trabalho. Fomos para a cozinha preparar o galeto. Eu cortei e limpei a ave, dando os primeiros passos para temperar ao som de J. S. Bach, umas sonatas que meu sogro aprecia.
Seu Zé fazia as saladas  e o arroz, enquanto eu ia rindo do que ele falava e tomando cerveja. Eu estou quase se formando seu Zé. Quando acabar a faculdade de administração vou fazer uma especialização lá no estrangeiro. A parte ruim é que eu vou morrer de saudades de uma pessoa. Ele olha pra mim e diz jocoso: de mim não é? Claro seu Zé, o senhor tem sido como um pai pra mim. Enquanto coloco o galeto no forno.
Tomamos umas taças de champagne e comemos uns petiscos, até ela perceber que não tinha pimenta. E o velho não come sem pimenta. Eu inventei uma desculpa esfarrapada de que meu sócio havia perdido o celular no meu carro, e que eu iria levar de volta. Se ele soubesse quem eu realmente sou, já teria enfiado a faca na minha garganta. Nunca entrei na faculdade. Sou formado nas ruas. A máscara é o que conta. É mais fácil para todos não saber a verdade. Muito melhor viver fingindo.
Ligo o carro e olho no banco de passageiros um frasco de pimenta. Carolina é o nome da marca que eu já havia comprado. Desço com o carro numa passagem estreita onde uma garota de menor me espera com a moto ligada. Coloco o capacete no rosto e verifico a trava da arma. Vamos voltar ao Campo Limpo rapidamente. Preciso deixar umas coisas a limpo por lá.
A garota que pilotava a moto era viciada nos três R's: Rivotril, Ritalina e Roupinol. Um garota linda de dezesseis anos, toda durinha e com um discurso contra o sistema. Seu piercing na língua me deixou tão excitado quanto a tatuagem de flor que cobria metade do quadril dela. Eu já ripei e fui presa, mas o juiz sempre me absolve. Ao olhar para ela assim, meio da rua ou de uma festa qualquer um a tomaria por flor. Um flor que oculta os espinhos escarlates. Porta voz de bandido. Ponta de beco. Sentinela. De menor. Os agentes do caos na quebrada. Seguimos viagem, ela a quase cento e cinquenta por hora.
Aquele amigo que me olhou com desconfiança é o Cebola. Ele foi desvirtuado da nossa proposta de vender para tomar o poder. Ele quer vender drogas para comprar Hylux, e prostitutas. O que ele disse pra mim, sem saber, é que em breve vai me matar. E esse tipo de ameaça não pode ficar sem resposta. O Cebola tava jogando bilhar e com uma garrafa de cerveja na mão quando cheguei a pé e dei dois tiros na cabeça e dois no peito. Pela frente como se costuma fazer os homens honrados. Alguém até pensou em sacar uma arma. Mas ficou só na ideia. Ele caiu que nem um saco de merda no chão, quebrando a garrafa. A moto passou logo em seguida, eu entrei e voltei até a passagem estreita para pegar o meu carro. Foi a viagem mais rápida que já fiz de Itaquera até o Campo Limpo.
Já havia se passado uns vinte minutos. Volto à casa do meu sogro com a pimenta, rimos bastante, comemos e ficamos jogando buraco e contando histórias da vida até de madrugada. Seu Zé é uma pessoa bacana e gosta de mim. Eu não considero ele como um pai de verdade, falo isso só porque ele quer ouvir, mas ele sim, me ama como um filho. Ou ama o que eu pareço ser para a família dele. Um homem de negócios bem sucedido. Ele dorme no sofá. Checo o meu Rolex e vejo que são 3h00m em ponto. Pego um lençol e cubro o velho. Minha namorada já foi dormir faz tempo. Ela não gosta da minha amizade com o pai dela. Disse que ele já foi muito cruel. Eu a consolei dizendo que todos os homens são cruéis. Nós nunca vamos entender o que é ser mulher. Você é linda. Eu digo pra ela. Gosto de fazer ela se sentir bem. Tomo um gole de água e vou até a varanda fumar um cigarro. O Cebola não vai perturbar os meus sonhos. Me arrumo no sofá já premeditando a viagem até a Capital do pais. Tenho que transportar meus produtos e fazer a empresa crescer. Que horas são agora? Não vou para de pensar?
 
Crônica improvisada

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